22/08/2023
Cotidiano

Quilombolas vencem mais uma etapa na reconquista da terra

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Os quilombolas herdeiros da Invernada Paiol de Telha, área localizada no município de Reserva do Iguaçu, estão a um passo de ver concretizada uma luta que dura décadas e que objetiva recuperar 3,6 mil alqueires de terra legados por seus antepassados.

O Ministério Público Federal deu parecer favorável à titulação da área, elemento que poderá ser "peso-pesado"  na decisão judicial. O processo tramita na Vara Federal Ambiental de Curitiba e deverá ser concluído em 2011.

A notícia está sendo comemorada na Comunidade Quilombola sediada na Colônia Socorro onde parte dos mil herdeiros estão assentados. "A nossa luta pela reconquista da terra que foi doada a nossos antepassados é feita principalmente  pela cultura. Somos pertencentes à Companhia de Música e Dança Afro Kundun Balê que agrega mães, pais, crianças, jovens e adolescentes e que hoje é uma realidade nacional", disse Ana Maria Alves da Cruz. Ela se refere ao I Prêmio Nacional de Expressões Culturais AfroBrasileiras patrocinado pela Petrobras/Ministério da Cultura, em parceria com a Fundação Palmares e realizado pelo Centro de Apoio ao Desenvolvimento (CADON) do qual o Kundun é merecedor. "Essas conquistas são um exemplo de que quando se luta por um ideal, se consegue chegar ao objetivo almejado, mas desde que haja união, soma de esforços", afirma.

A história da Invernada Paiol de Telha remonta o ano de 1860 quando a fazendeira Balbina Siqueira doou 3,6 mil alqueires de terra no imóvel denominado Fundão, ainda pertencente ao município de Guarapuava. Por conta dos desmembramentos a terra passou a ser sediada no município de Pinhão e hoje está localizada em Reserva do Iguaçu. Tempos após a doação, as famílias dos herdeiros diretos (11 escravos) foram expulsos da terra.

Durante a retomada da luta pela recuperação da área que lhes foi tomada e da qual participam as gerações mais novas, liderados por Domingos dos Santos, o primeiro a liderar uma ocupação na área de origenm, os quilombolas  estão organizados em núcleos. Parte vive em 14 bairros de Guarapuava; na Colônia Socorro (interior do Município); em Pinhão, à beira do barranco em frente a área original no município de Reserva do Iguaçu e em outras cidades brasileiras. "Seo" Domingos ainda vive no barranco. Está lá há quase 13 anos vivendo debaixo de lona preta, mas não abandona a luta que um dia começou e que se arrasta na Justiça.

A briga judicial entre os herdeiros e a Cooperativa Agrária, que hoje detém a área original, se estende há anos. Uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) tramita há sete anos no Supremo Tribunal Federal (STF) e ainda depende de julgamento. Segundo Ana Maria Alves da Cruz, a ação foi movida pelo extindo PFL, hoje Democrata, e questiona o decreto 4.887 assinado pelo Presidente Lula e que regulamenta os direitos quilombolas. Caso o DEM consiga a suspensão do decreto, as titulações baseadas nele podem ser questionadas e o processo de regularização poderá ficar sem regras.

De acordo com a acadêmica de História Isabela Camargo Soares da Cruz, quilombola e bailarina do Kundun Balê, os quilombolas têm direito à propriedade da terra por determinação do artigo 68 da Constituição Federal do Brasil de 1988 . "O decreto 4.887/03 nos garante o  direito à auto-identificação das comunidades quilombolas e temos a garantia  também da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT), fixada pelo Decreto Nº. 6.040, de 7 de fevereiro de 2007", enumera.

Outra fator que garante o direito a auto-identificação às comunidades quilombolas é a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário pelo Decreto Legislativo n° 143, de 20 de junho de 2002, e promulgada pelo Decreto 5.051, de 19 de abril de 2004.  "Estamos confiantes na nossa luta e vamos continuar a nossa caminhada pelo Brasil afora levando o nosso grito, seja ele de luta ou de conquistas", afirmou Isabela.

Foto: Kundun Balê 

 

 

Cristina Esteche

Jornalista

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