22/08/2023
Guarapuava

Respeito não tem preço

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Há muito tempo, ainda na década de 1990, eu era pouco mais que um adolescente e trabalhava em uma empresa, considerada grande, em minha cidade e região. Nesta empresa, a maioria dos colegas, pertencia à mesma faixa etária, todos na casa dos vinte ou trinta anos, não mais que isso. Como em todas as regras há exceção, um dos nossos colegas de trabalho era um senhor, com quase setenta anos de idade, já se aproximando do período de se aposentar.

Vigoroso e com ótima saúde, aquele homem trabalhava muito mais do que nós que éramos verdadeiros moleques, à época.

Mesmo morando em outra cidade, ele nunca deixou de participar de nenhuma das reuniões que eram realizadas na sede da empresa, distante cerca de sessenta quilômetros de seu posto de trabalho.

Em toda reunião havia (e acredito que ainda há) confraternização e momentos de descontração, encontro e alegria entre os integrantes do grupo. Em uma de nossas reuniões, no final do ano, estávamos todos juntos em uma sala nos preparando para saber como tinha sido o andamento da empresa durante o período. Em todos os lugares de trabalho, sempre há também quem se sobressaia em contar piadas e fazer brincadeiras. Lá, não era diferente. 

Como sempre fui tímido, fiquei no meu canto, observando a tudo. Um dos colegas, de nome Valdir, era o cara mais sem noção que se pudesse imaginar. Todas as brincadeiras dele eram incomodativas, agressivas e de muito mau gosto. Como ele trabalhava em escala, dificilmente participava das reuniões periódicas, mas das festas da empresa, ele jamais abria mão. Batia ponto mesmo nestas ocasiões…

Naquele dia, ele estava de folga da escala e, portanto, foi à reunião. Valdir era muito chato. Roubava bonés dos colegas, puxava cabelo, falava bobagem e gostava de zoar com todos, a meu ver, sem motivo algum, sem a menor graça.

Nosso colega mais velho estava sentado em uma das extremidades da mesa, estudando uns gráficos coloridos que indicavam crescimento ou não da firma. Valdir, depois de incomodar a muitos, aproximou-se do homem e fez uma brincadeira vergonhosa, dirigindo-se diretamente ao idoso, chegando a tocar em seu ombro. Como ele falava muito alto, quase gritando, todos ficaram em silêncio ante o desaforo que ele proferiu em forma de brincadeira. Nosso colega tirou os olhos da apostila que estudava, olhou fixamente para o “piadista” e disse com serenidade: “Meu rapaz, se você não respeita o homem, por favor, respeite ao menos a idade do homem”.

Pronto. Não precisou dizer mais nada. Como uma erva daninha que leva um banho de veneno poderoso, o colega enxerido e maldoso, murchou. Praticamente derreteu. Nosso colega que tinha idade para ser pai e avô de muitos de nós ali, voltou-se para seus estudos na apostila repleta de gráficos coloridos e permaneceu em paz, aguardando que a reunião começasse. Ninguém se sentiu bem dali em diante. Uma mescla de sentimentos invadiu a todos e nem o almoço de confraternização foi agradável. Valdir, o agressor, desapareceu do recinto. Sentiu que há muito, havia passado dos limites.

Contei esta história meio idiota e, para alguns sem sentido, para que entendam os acontecimentos de ontem, dia 27 de dezembro, na paróquia Sant’Ana, em Guarapuava.

Vivemos num país livre e laico, pelo menos é o que reza nossa Constituição Federal de 1988. Os protestos de apoio e de descontentamento sempre se somaram às atitudes democráticas e eu considero isso salutar, necessário para o crescimento humano, para que as coisas caminhem de forma correta, com objetivos. Como jornalista, prego e defendo com unhas e dentes a liberdade de expressão e o direito sagrado à informação, às explicações. O que não tolero, de forma alguma, é a falta de respeito, a falta de base e, sobretudo, a agressão verbal e física, que, na maioria das vezes, chegam gratuitamente. 

Ontem, durante missa de posse do novo pároco da paróquia Sant’Ana, o padre Itamar Abreu Turco, houve protestos. Pessoas descontentes com a saída do pároco anterior se reuniram para reclamar e defender seus posicionamentos e opiniões. Até aí, tudo certo, tudo normal, pelo menos para mim. Defender nossas ideias, como disse acima, é o direito mais sagrado e belo que temos. 

Durante a celebração, os gritos e agressões verbais ecoavam dentro da igreja, mas até aí, eu entendi como um alvoroço natural. Quem é católico sabe que as posses aos párocos, bem como o desígnio de sacerdotes para tantas atividades, são realizadas pelo bispo da diocese, cumprindo diversos protocolos e também ritos que vêm de milhares de anos.

Durante toda a celebração, os descontentes com a saída (por vontade própria) do pároco anterior, passaram a gritar, a proferir palavras de baixo calão, a estourar bexigas e a encarar, sem necessidade alguma, através das portas e janelas da Matriz, quem estava dentro da igreja, participando do ato religioso.

Ao final, depois dos cumprimentos de praxe, muitos que estavam na igreja enveredaram para suas casas. O grupo descontente continuava nas imediações com seus cartazes e gritando palavras de ordem. O bispo da diocese de Guarapuava, Dom Antônio Wagner da Silva, também se preparava para ir embora. Antes de entrar em seu carro, houve tumulto e agressão física contra o mesmo, um homem de setenta e dois anos. Caso não houvesse interferência de funcionários da diocese, de padres e de amigos que levaram pancadas, empurrões, cusparadas e muitas agressões verbais, o pior teria acontecido.

Com muito custo, o bispo conseguiu ser retirado do local. Neste ínterim, mulheres e crianças foram agredidas. 

O protesto continuou. As agressões também, até que nada mais fizesse sentido, até mesmo para os mais afoitos e que lideravam a manifestação alegando que a comunidade foi injustiçada com a saída do pároco e a nomeação do novo sacerdote.
 

Incrível como vai por água abaixo todo o aprendizado, todo o discernimento humano e o senso crítico. Há muita incoerência neste tipo de atitude. Então é assim: pregamos uma coisa e fazemos outra? Dentro dos templos, somos santos, tolerantes e amigos, mas lá fora, somos capazes de agredir pessoas, de cuspir em idosos e até de matar?

Há muito que crescermos em se tratando de humanidade. Os mesmos que defendem as regras em algumas ocasiões; deturpam todo o entendimento e descem ao mais baixo nível de ignorância, perdendo, portanto, a razão deixando desmoronar o real objetivo de se levantar contra o que se entende por errado.

Estamos nos aproximando de mais um final de ano. Um ano conturbado em todos os sentidos no país e no mundo. Para os católicos, 2016 foi o Ano Santo da Misericórdia, instituído pelo Papa Francisco. Uma época de perdão, de justiça e, sobretudo de entendimento do que está à nossa volta.

Aquilo que escrevi no começo, sobre o ex-colega de trabalho, vale agora. “Se você não respeita o homem, por favor, respeite ao menos a idade do homem”. É uma questão de humanidade, uma questão de educação adquirida na família, na vivência. Respeitar ao próximo é decente e faz bem a todos. Ser tolerante com as ideias contrárias e saber que nosso direito vai até onde começa o direito do outro, é vital.

Deixo aqui minha tristeza ante tanta desavença gratuita. Espero que, de agora em diante, antes de sair por aí agredindo pessoas, muitos reflitam e tomem consciência do enorme retrocesso que é jogar no lixo anos e anos de construção da humanidade.

*Jossan Karsten é jornalista, escritor e poeta. Mora em Guarapuava e é a simplicidade em pessoa. Quando escreve, desafia, provoca, acalma, questiona e responde.

Cristina Esteche

Jornalista

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