Quando eu tinha 14 anos, eu tive uma crise de choro durante umas quatro horas seguidas e não conseguia me acalmar por nada. Senti um desespero muito grande, e pensava também que não aguentaria passar por outra crise daquelas, que aquele não podia ser o meu cotidiano. De repente a ideia de acabar com tudo soou muito tranquilizadora. A única coisa que parecia fazer sentido na hora. Me convenci que meus familiares e amigos superariam, mas que eu não superaria a doença se continuasse viva. Essa foi minha primeira tentativa de suicídio.
Esse é o relato de Laleska Alves de 20 anos. Ela é uma das muitas sobreviventes que sofreram com a depressão e crises suicidas na adolescência. Laleska conta ao Portal RSN, que logo após o ocorrido, a mãe a encontrou e conseguiu a socorrer. Ela que já fazia terapia para lidar com problemas de autoestima, desenvolveu os primeiros sintomas durante o processo terapêutico.
De acordo com a jovem, ela mesma começou a notar os sinais. “Eu comecei a notar que conforme a noite chegava sentia uma tristeza, um nó na garganta, uma vontade de chorar muito grande e não sabia o motivo. Isso me angustiava muito. Pois, eu só conseguia pensar que não tinha motivo para me sentir tão mal”.
Ao relatar para a mãe os sintomas, família resolveu procurar outro profissional, que suspeitou que a jovem enfrentava uma depressão. Assim, esse psicólogo encaminhou a jovem para o psiquiatra, que confirmou a suspeita. Mesmo com o diagnóstico médico, Laleska não achava que isso poderia estar acontecendo com ela.
Além disso, ela também conta que continuava frequentando a escola normalmente, saía com os amigos, entre outras atividades. Mas, tinha uma diferença: as coisas tinham perdido o sentido.
Eu não achava que podia ser depressão, porque ela [a depressão], na minha cabeça, era outra coisa. Era só quando a pessoa não conseguia sair da cama, tomar banho, entre outras coisas. Não me encaixava nesses sintomas porque no início, ainda frequentava as aulas normalmente. Mas, eu tinha perdido o prazer em fazer qualquer coisa, mesmo as que eu mais gostava.
SOBREVIVÊNCIA
Conforme o relato de Laleska, lidar com a dor tão nova foi muito difícil. “Foi muito estranho lidar com essa dor tão nova especialmente por não ter um motivo específico, algo que eu pudesse traçar como um trauma principal. Minha mãe também tem depressão, já tratava há muitos anos no começo da minha doença. Então, eu tinha esperança que a minha [depressão] ficasse controlada como a dela. Mas, depois foi ficando extremamente cansativo aumentar as doses, trocar de remédio um após o outro e não ver melhora nenhuma. Parecia que nunca ia passar, que sempre ia sentir que estava apenas sobrevivendo e não vivendo.”
Após muitas tentativas, em 2018, já com 18 anos, ela atentou novamente contra a própria vida. Foi a última vez. Laleska relata que o tratamento psiquiátrico e o apoio de familiares e amigos, está ajudando e trazendo forças para ela seguir em frente.
A análise tem me ajudado a fortalecer a base do meu psicológico e entender como ele funciona. Assim, reconhecer os sinais e agir a partir deles. Eu sinto que os meus remédios são como a gasolina de um carro, é o que precisa para poder dar partida. Mas, todo o resto é responsabilidade do motorista. E a parte de dirigir a minha própria vida, continuar aqui. Mas tem uma influência enorme da terapia. Tive a sorte de poder contar com a compreensão dos meus pais e dos meus amigos, que nunca me julgaram. E com certeza essa rede de apoio fez toda a diferença.
Laleska é uma sobrevivente e atualmente, lançou um livro de poesia, que é a maneira que ela encontrou para processar os sentimentos e acontecimentos quanto à saúde mental. “Além disso, eu também encontro um certo conforto em lidar com a minha dor e a minha experiência através da escrita. Ela me ajuda a processar melhor meus sentimentos.” O livro está disponível para venda, pela internet.
O SUÍCIDO NA ADOLÊSCENCIA E INFÂNCIA
Assim como Laleska, inúmeros adolescentes e crianças passam por essa dor tão cedo. Os números apontam que só no Paraná, conforme informações da Sesa, 225 casos de suicídios em jovens com 15 a 19 anos ocorreram em 2018. De acordo com informações da psicóloga Kárita Claro Nogueira, os sinais em crianças e adolescentes nem sempre são evidentes. Mas, é preciso que a família fique atenta.
“Não há uma ‘receita’ segura para detectar quando uma pessoa está vivenciando uma crise suicida, nem algum tipo de tendência suicida. Mas, um indivíduo em sofrimento pode dar alguns sinais, que devem chamar a atenção das pessoas próximas, sobretudo se esses sinais se manifestarem ao mesmo tempo”. Os sinais, conforme a psicóloga aparecem em todas as áreas da vida da criança ou do adolescente.
Sinais estes como piora no rendimento escolar, o aparecimento ou agravamento de problemas de conduta ou de manifestações verbais. Assim, como a preocupação com sua própria morte, a falta de esperança, dores e sentimento de inutilidade. E também a expressão de ideias ou intenções suicidas, perda de interesse em atividades que antes davam prazer.
De acordo com Kárita, existem outros sinais de alerta. “O isolamento, a tristeza persistente, postagens relacionadas a suicídio ou depressão profunda nas redes sociais. Além de sinais físicos, como fadiga e falta de energia, alteração no sono, alterações no apetite, entre outros”.
A FAMÍLIA
De acordo com Kárita, a família tem um papel importantíssimo nesses casos. “É importante que a sociedade como um todo, família, amigos, escola e grupos de trabalho, estejam atentos aos menores sinais. Dispostos e preparados para discutir o tema e encaminhar a pessoa para um tratamento que trará um novo olhar sobre o assunto e a situação em que a pessoa se encontra”.
Portanto, a família precisa participar da rotina do paciente. “Mas, a família pode ajudar de um modo especial estando mais presente durante o cotidiano dessa criança ou adolescente. Também é importante que os familiares conversem sobre o assunto, para que ele sinta segurança em pedir ajuda e principalmente restringir o acesso a possíveis métodos de suicídio”.
Neste Setembro Amarelo, o Portal RSN, está fazendo uma série de reportagens de alerta e prevenção ao suicídio e trazendo informações sobre a saúde mental das pessoas. Além disso, trazendo informações de como ajudar pessoas que perderam a vontade de viver.
A QUEM PEDIR AJUDA?
Diversos canais oferecem ajuda gratuita, como o Centro de Valorização da Vida (CVV), que atende voluntariamente e gratuitamente todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo, por telefone, e-mail, chat e voip 24h, todos os dias. O número é o 188 e também é possível acessar o site para chat.
Além disso, existe em Guarapuava o ‘Guarapuava Salvando Vidas – GSV’. O site GSV está sempre no ar. Com atendimento on-line de domingo a sexta, das 19h às 23h e no sábado, das 19h às 22h.