22/08/2023
Guarapuava

Tem muita coisa atrás desta sombra

O mundo está tenso. Busca-se explicações para o direcionamento econômico, social e político da humanidade. O mundo da lógica está sem bússola ou é isto mesmo? Se podemos dizer algo sobre os últimos acontecimentos é que os velhos modos de agir já não satisfazem mais, mas os novos não foram ainda produzidos. Trocando por miúdos, tal como Bauman sentenciou, vive-se um tempo entre o que não existe mais e o que não existe ainda, ou seja, em um claro estado de emergência sem fim.  Difícil dar um encaminhamento e um bom conselho para a nova geração, nossos (as) alunos (as) e filhos (as). Penso que a aposta é que devemos voltar ao passado ou realimentar aquilo que já foi considerado razoável onde o fim sempre foi mais importante que o meio.

Sei que muitos estão perplexos diante de tantos atos inesperados [muitos deles anti-humanos e inconsequentes], mas a verdade é que tudo isto que está acontecendo não vem do acaso. Hoje, lamentavelmente, não existe movimento político que dê conta disto, até porque quem vive um bom e curto momento são aqueles que se dizem do não movimento político. Arrisco dizer que esta febre é passageira e insustentável e que precisamos recuperar diálogos, interpretações coerentes e ações humanas razoáveis.

Tentando estranhar ou fazer o exercício do estranhamento, com um olhar clínico sobre alguns acontecimentos mundiais como a vitória do "não" à paz na Colômbia, a amistosidade suspeita entre Trump (EUA) e Putin (RÚSSIA) ou alguns resultados eleitorais brasileiros (Rio de Janeiro e São Paulo) e mundiais [EUA], precisa-se reconhecer que é leviano afirmar simplisticamente que tal discurso é racista ignorante, meramente conservador e mercadológico. Tem muita  mais coisa atrás desta sombra.

Reconheçamos que há uma profunda alienação dos discursos políticos e das soluções implementadas por estes protagonistas tradicionais.

Está claro que a perda de direitos e uma piora no padrão de vida tem mexido com todos nós de uma forma intestinal e o resultado disso é uma ‘muvuca’ inclassificável que tem gerado desdobramentos incompreensíveis.

É preciso interpretar o bordão que os atuais pensadores da política de centro-esquerda estão fazendo e falando precipitadamente, tentando convencer as pessoas do que estas deveriam querer, em vez de tentar descobrir como viabilizar demandas e interesses concretos. Há muita especulação e muitos doutores da ciência política, da economia e das humanidades, sobretudo em redes sociais.  

Uma alternativa parece ser a construção de um ambiente em apoio a protagonistas que dialoguem com demandas concretas dos que ainda sofrem, em todo o mundo, as consequências da crise econômica e das desigualdades crescentes. Não há milagre, o que existe ou pode existir é que a emancipação de homens e mulheres, seus direitos e seu bem estar é tarefa de todos e não apenas de alguns carismáticos que se julgam iluminados ou detentores da verdade absoluta.

É impressionante como está em alta a individuação de todos nós. O resultado disto é a descrença naquilo que existe e a crença na promessa de algo diferente que, em minha opinião, é uma situação ruim que se torna cada vez pior. Enganam-se as pessoas do pé direito que acreditam poder viver sem o pé esquerdo.  Patrões precisam de empregados como empregados precisam de patrões. Dito de outra forma,  econômico e social não são excludentes, mas sim necessários. Pode-se tudo menos o diagnóstico equivocado.

É preciso considerar o juízo de uma figura mais que polêmica [Delfim Neto] quando diz que o atual sistema econômico e político [grifo meu] têm, sim, graves defeitos, mas, até agora, não se descobriram mecanismos alternativos para substituí-los. É preciso insistir mais e esgotar possibilidades de um pensamento comum. Desconfiemos destes salvadores da pátria e destes ‘sem conteúdo’ e ‘falaciosos’. Há ainda homens e mulheres comuns, mortais, que querem fazer a coisa certa, seguindo um ritual político transparente, econômico e social que não menospreze os seres humanos. 

Cristina Esteche

Jornalista

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