22/08/2023
Geral

Transexual de Guarapuava conquista espaço no cenário nacional

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Pessoas que se olham no espelho e não se reconhecem porque se veem diferente. Eles, ou melhor, elas, são personagens de histórias reais marcadas por constrangimento, exclusão, privações, traumas, por uma luta pela aceitação e, algumas, por conquistas.São pessoas que se sentem aprisionadas pelo preconceito, pelas convenções sociais e que buscam na transformação a liberdade para se tornarem o que sempre quiseram ser: o sexo oposto. A guarapuavana Layza Machado é exemplo de superação de todos esses obstáculos. Professora, a primeira transexual a ser diretora de colégio estadual, o Chico Mendes, em Curitiba; atriz; historiadora e, acima de tudo,guerreira.

 

Ela nasceu Luiz Carlos Machado, filho de uma família mestiça de negro com índio. Nasceu e cresceu na miséria e passou boa parte da sua juventude na Colônia Vitória, em Entre Rios. Já na infância percebeu que a masculinidade não era o seu forte. “Na verdade eu achava que era homossexual, mas me sentia desconfortável como gay.A lembrançamais remota é de quando tinha cinco anos de idade. Uma colega disse que eu não poderia brincar de casinha porque não era uma menina. Com sete anos, roubei uma boneca da minha tia, a escondia no mato e brincava escondida de todos”, relembra.

“Com  12 anos, vestia roupas mais femininas, colocava calção curto. Minha mãe fingia que não via, mas meu pai brigava, xingava, fazia eu tirar as roupas. Aos 13, me apaixonei por um guri da vila. Escrevi uma carta e pedi para alguém entregar a ele. Ele tirou sarro da minha cara e fez questão de mostrar para a favela toda, até chegar aos ouvidos da minha mãe. Aí vem o trauma… Minha mãe perguntou se era verdade que eu era veado e pediu a  Deus  que a livrasse. ‘Quero que Deus me leve, quero morrer se você for isso que estão falando de você’. Respondi que não e ela me fez jurar que jamais iria usar roupas femininas. Meses depois, ela faleceu”.

 

Ao lado da luta contra o preconceito, Luiz Carlos,  sabia que tinha que vencer outro desafio:  superar a pobreza. “Minha infância foi uma miséria total. Minha família morava numa invasão, em um casebre coberto com lona. Não tínhamos nem o que comer, tanto que dos 6 aos 13 anos juntava restos de comida em um lixão onde  jogavam sobras de supermercado. Além disso, meu pai assediava sexualmente a minha irmã menor e eu presenciava toda a situação. Ele nunca chegou a abusá-la, mas era horrível presenciar o assédio dele. Para piorar, minha mãe ficou doente,   tinha insuficiência renal, e faleceu aos 35 anos. Minha irmã se casou logo para escapar do meu pai e eu fiquei sem eira e nem beira”, desabafa.

 

Em busca de auxílio, encontrou uma  assistente social que conhecendo a sua história, pediu apoio  à igreja católica. “Aos 14 anos fui acolhida por um padre alemão. Aí minha vida mudou. Morar com o padre foi positivo, pois ele me contou que era homossexual e que era padre para justificar a homossexualidade à família. Contei para ele que me sentia mulher e ele disse para eu não fazer isso, que era para continuar como estava, porque eu sofreria muito. Aí pensei. Posso viver assim sem me assumir”. Layza diz que viveu com o padre por cerca de 10 anos, até ele ir embora para a Alemanha. “Ele me pagou curso de alemão, me deu uma casa própria, móveis e uma viagem para conhecer a Alemanha, Áustria, Bélgica, Suíça, Portugal e Holanda. Faleceu em maio de 2009, vítima de câncer”, relembra.

 

A válvula de escape encontrada por Luizinho, como era tratado por colegas e amigos, para suportar as várias perdas foi o estudo, o trabalho, a arte. Fazia cursos, arrumou trabalho como produtor musical, fazia teatro, dançava. “Tudo para extravasar”.

 

“Na época que eu trabalhava na Rádio Entre Rios. Trabalhei com jornalistas como o Paulo Esteche, o falecido Nilton Lessa, a Vanessa Limberger. Fiquei 11 anos na Rádio Entre Rios. Dei aulas no Colégio Assunção de Nossa Senhora; trabalhei com produção musical”.

O depoimento da comunicadora Maria Inês Guiné traduz um pouco desse talento. “Conheço o Luzinho, como o chamávamos. Ele trabalhou comigo. Era o meu produtor na rádio. Ele é uma explosão de talento”, elogia.

 

Nesse universo, Guarapuava se tornou pequena. Inspirado na transexual Roberta Close e na artista Rogéria, deixou fluir o desejo de assumir a sua sexualidade e foi a Curitiba. Fez a cirurgia para mudança de sexo, mudou toda a documentação e se tornou Layza Machado, numa referência ao nome original. Casou e se deixou ser feliz.

A mudança radical também transformou em atriz a descente de quilombolas do município de Pinhão, e de índios kaigangues. Protagonizou o  filme Marcas da Agonia, de Jansen Hinkel  A sua história já foi contada em depoimento  na novela Páginas da Vida, em 2010. Foi cotada para estrelar a novela global Salve Jorge. Gravou  vídeos para o arquivo da Globo e recebeu elogios da produção. Com vários cursos de teatro, dublagem e preparação para a tevê, Laysa  quer ter a oportunidade de atuar ao lado de Lília Cabral e Maria Clara Spinelli, a quem admira. No último dia 21 de maio foi entrevistada no programa Agora é tarde, de Danilo Gentili.

É o seu histórico de luta e superação que a faz vencedora e que agora a projeta como exemplo para o Brasil. “Também sou formada em História em universidade estadual, pós graduada em Teoria do Conhecimento Histórico, Educação Especial e estou fazendo outra de Gestão em Educação. Dou aula de História e sou diretora auxiliar num colégio estadual chamado Chico Mendes. Segundo o MEC, eu era, não sei se ainda sou, a única transexual num cargo diretivo de uma escola pública do Brasil que foi eleita democraticamente. Fico até dezembro de 2014”, comenta com orgulho.

 

 

Foto: Laysa e o secretário estadual de Educação e vice governador do Paraná, Flavio Arns.

Cristina Esteche

Jornalista

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