22/08/2023


Paraná

Zero na redação

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O Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) começa a atingir seus objetivos, apesar de algumas questões das provas ainda estarem contaminadas por certo viés ideológico, como se o que estivesse em análise fosse a conformidade política do estudante e não seus conhecimentos. Já existem dados consolidados em quantidade suficiente para que o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) possa fazer um mapeamento razoável das condições do ensino médio no país, e o exame tem suficiente confiabilidade para ser utilizado como único processo de seleção de candidatos a inúmeras instituições de educação superior, públicas e privadas; a classificação obtida é item indispensável para a obtenção das bolsas de estudos dos programas federais.

No entanto, há um aspecto preocupante que emerge dessa avaliação e que se repete todo ano, o número de candidatos que tiraram nota zero na prova de redação. Em 2015 foram mais de 50 mil, quantidade pouco significativa perante os quase oito milhões de candidatos inscritos, mas imensa em termos absolutos: cinquenta mil jovens concluintes do ensino médio não conseguiram desenvolver um texto sobre o tema proposto, com alguma coerência e obediência às normas cultas de seu próprio idioma.    

Uma boa análise da redação efetuada pelo candidato é fundamental, nenhuma outra modalidade de avaliação pode substituí-la, as demais questões são objetivas, corrigidas eletronicamente, esta constitui o único elemento “pessoal” avaliado.

Se houvesse a necessidade de realizar uma única prova para aferir as condições de um candidato em qualquer processo seletivo não estritamente técnico, a imensa maioria dos professores certamente optaria por uma redação. O pedido da realização de um texto argumentativo, com enunciado bem formulado, e que guarde relação estreita com a finalidade do concurso a que se refere, é quase definitivo para aferir as condições de um aspirante.

Quem consegue se expressar com lógica e coerência, analisar com pertinência um tema proposto, manifestar de modo inteligível sua opinião, e ainda fazer isso tudo com adequado respeito às normas do idioma, estará qualificado para iniciar estudos em praticamente qualquer área.

Embora outras disciplinas concorram para sua boa formação, científica ou humanística, é a capacidade de expressar-se adequadamente que poderá manifestar as habilidades e competências de cada pessoa; uma composição escrita demonstra capacidade cognitiva e cultural, uma visão de mundo e valores.

Embora a linguagem escrita esteja em mutação constante, suas alterações formais se processam em períodos de décadas, o que é correto, pois, ao contrário da língua falada, que é natural, a escrita é uma criação artificial, e necessita de regras que a organizem, perenizem, e garantam sua universalidade, sem o que não poderia uma geração transmitir seus conhecimentos à próxima, não poderia ampliar-se a cultura, ciência e tecnologia. Embora os meios atuais de comunicação propiciem certa uniformização da linguagem no país inteiro, em regiões e mesmo em cidades diferentes, fala-se de maneiras pouco ou muito diversas; não se pode dizer o mesmo da forma como se escreve, ou, pelo menos, não da forma como se deveria escrever.

Não podemos seguir em frente de modo sustentável sem que a maior parte da população tenha educação de boa qualidade em todos os níveis, e para isso o professor é essencial, é vital, é indispensável, seu desempenho aliado ao bom investimento do poder público no sistema escolar pode trazer reais benefícios econômicos e sociais para toda a população.

No entanto, o Brasil investe mal, preferindo atacar os problemas visíveis, ou seja, aqueles que dão visibilidade política, e ignorando aqueles profundos, de base.

Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.

 

Cristina Esteche

Jornalista

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