“Vamos comer uma feijoada?”. Quem nunca ouviu esse convite, principalmente, na hora do almoço aos sábados? E por falar nisso, você sabe por que há a tradição desse prato, nem tão brasileiro assim?
Bem, a história que aprendemos está cheia de coisas mal contadas. Assim como a origem da feijoada, que é portuguesa, o costume de reservar o sábado para esse prato também pode ter origem lusitana, já que em Portugal é comum destinar um prato para cada dia da semana.
De acordo com Paula Pinto e Silva, autora do livro Farinha, Feijão e Carne-Seca – Um Tripé Culinário no Brasil Colônia, nessa época, na Europa, surgiram outros pratos juntando carnes variadas e feijão branco, como também é o caso do cassoulet, originário da França.
“Em diversos países, encontram-se variações da receita em que vários ingredientes são cozidos na mesma panela“. Segundo Paula, os séculos 16 a 18 foram marcados pela escassez de alimentos, portanto, não podia haver desperdício.
DIVERGÊNCIAS
Segundo o educador Orlando Silva, de Guarapuava, que pesquisa a cultura afro-brasileira, há divergências entre escritores sobre a comida da época. “Há muita similaridade de pratos como cita Paula Pinto e Silva. Porém, historiadores e especialistas da culinária, como o folclorista Câmara Cascudo, indicam que esse tipo de mistura remonta à época do Império Romano”.
Embora a feijoada tenha as especificidades da culinária brasileira, segundo Carlos Alberto Dória, a origem da feijoada estaria no “feijão gordo”, o ensopado de feijão preto, acrescido de toucinho e carne seca, com linguiças, legumes, verduras e carnes de porco.
A lenda mais difundida sobre a origem da feijoada é a de que os senhores forneciam a seus escravos os “restos” dos porcos, quando estes eram carneados. A mistura dessas partes suínas com feijão e água, teria dado origem à receita. Porém, essa versão não se sustenta.
“Aí temos mais uma controvérsia, pois há autores que lembram que grande parte dos negros pregavam a fé islâmica. Como então comeriam carne de porco? Aí temos também outra vertente histórica de que os negros islãs ficaram mais na região de Recife e Pernambuco e a feijoada propagou-se, principalmente, na Bahia onde aconteceram os primeiros desembarques de navios negreiros”, diz Orlando Silva.
Entre tantas versões , segundo o historiador Carlos Augusto Ditadi, em artigo publicado na revista Gula, de maio de 1998, esse mito da feijoada ter nascido na senzala é originário do folclore moderno, numa “visão romanceada” das relações sociais e culturais da escravidão no Brasil.
Um estudo feito pelo mestre em história, Tales Pinto Tales, e divulgado pelo Brasil Escola, mostra que a feijoada, porém, composta de feijão, carnes, hortaliças, legumes, e outros ingredientes, seria uma combinação criada apenas no século XIX, em restaurantes frequentados pela elite escravocrata do Brasil. Sua difusão teria se dado em hotéis e pensões, principalmente a partir do Rio de Janeiro.
De acordo com a pesquisa feito pelo historiador, citando Carlos Alberto Dória, a propagação da ideia da feijoada como prato nacional seria consequência das ações dos modernistas para construir uma identidade nacional brasileira. Portanto, a feijoada seria um dos signos da brasilidade, caracterizada pelo tema da antropofagia, da deglutição cultural que permeou a formação da nação brasileira.
No conhecido livro “Macunaíma”, de 1924, Mário de Andrade apresentou essa perspectiva durante um festim na casa do fazendeiro Venceslau Pietro Pietra, no qual participou o anti-herói. De acordo com Dória, a cena seria uma alegoria da cozinha nacional e das diversas etnias que entraram em contato no Brasil.
Depois de toda essa história, a fome deve ter aguçado ainda mais. Então, que tal saborear a feijoada à moda brasileira? Como toda a culinária nacional, a nossa deve ser a melhor de todas.