Não simpatizo com Donald Trump. Aliás, fico feliz que ele, assim que teve a oportunidade de falar pela primeira vez como presidente eleito, tenha mudado completamente o discurso.
Aquele cara grosseiro que, disputando a presidência da maior potência do mundo, gastava seu tempo pregando divisões, contando piadinhas e fazendo ataques baixos à adversária – não que ela também não o atacasse com a mesma classe -, em vez de falar sobre propostas para os Estados Unidos, tornou-se um homem razoavelmente polido que prega a união e até elogia os esforços da democrata.
Os maiores veículos da grande mídia – tanto brasileira como americana – ficaram absolutamente chocados com a vitória de Trump. Análises, pesquisas e comentários dando a vitória de Hillary como certa estamparam os jornais de ontem. A grande discordância era sobre o número de delegados com o qual ela venceria.
A reação do Huffington Post foi a mais caricata. Na capa do portal, um combo de notícias que ilustra perfeitamente o novo mundo paralelo das esquerdas: "América de luto"; "Hora de lutar!"; "Momento de terror para as minorias"; e a melhor de todas, "Recessão global sem fim no horizonte".
Toda essa certeza não surgiu do nada. A maioria esmagadora dos jornalistas e formadores de opinião americanos apoiaram Hillary Clinton. O jornalismo-torcida nunca foi tão descarado e atuante como nessas eleições. Mesmo depois de obter a nomeação do Partido Republicano, Trump continuou sendo considerado tratado como piada.
Até os jornalistas profissionais, que se esforçaram para deixar a torcida de lado, erraram feio. Nas suas análises frias – e aqui não estou sendo irônico -, a derrota de Trump parecia logicamente certa.
Isso porque o esquerdismo que domina o mainstream da imprensa não se resume à ideologia. Os jornalistas e formadores de opinião frequentam os mesmos lugares, assistem aos mesmos programas, escutam às mesmas músicas e se sentem ofendidos pelas mesmas piadas. Durante as eleições, deram "Bom dia!" para eleitores da Hillary, trabalharam com eleitores da Hillary, tomaram cerveja com eleitores da Hillary, quando faziam aquela pausa para dar uma olhada no Facebook, só viam posts que debochavam do Trump e, quando olhavam para o espelho, viam um ser moralmente superior que votaria… na Hillary.
A imprensa perdeu quase que completamente o senso de realidade. A falta de pluralismo ideológico nas redações nos jornais fez com que a crise de representatividade, que assombra as classes políticas de democracias do mundo inteiro, se estendesse para a mídia.
Não existe mais monopólio da informação. Por mais que a maioria esmagadora dos veículos tradicionais transmita uma única visão, a principal fonte da população é a internet. A tendência é que cada vez mais a imprensa se torne uma espécie de chancela de credibilidade para as notícias que o público já ficou sabendo por meio das redes sociais, que chegam muito mais rapidamente.
O problema é que é necessário legitimidade para ceder essa chancela. E essa legitimidade se constrói com jornalismo de qualidade, que é exatamente o oposto de análises fantasiosas baseadas em percepções obtidas dentro de uma bolha ideológica.
A disputa entre Hillary e Trump mostrou que, até na maior democracia do mundo, o presidencialismo faliu. Nenhum dos dois possui qualificação para liderar a potência americana. Da mesma maneira, esgotou-se o modelo "descolado e pra frentex" adotado pela imprensa.
Espero que esses erros levem tanto os políticos como os jornalistas a fazer a lição de casa. Ou isso, ou abrimos as portas para a barbárie.
*Kim Kataguiri é coordenador nacional do MBL – Movimento Brasil livre