Ele nasceu pelas mãos de uma parteira em 24 de janeiro de 1966, no bairro Santa Cruz em Guarapuava. Márcio Gomes de Oliveira, acabou de completar 53 anos de vida.
Uma vida simples, em alguns momentos desafiadora. Mas com uma história rica, cheia de determinação e coragem. Exemplo de vida pra muita gente. Por telefone, o homem de fala mansa e fácil, começou a contar a própria história. E que história.
Márcio teve catarata congênita, ou seja, nasceu com a doença que reduziu a visão para apenas 5% nos dois olhos. Ele cresceu assim. Aos 7 anos foi para a escola cursar o primeiro ano do ensino fundamental.
Comecei a estudar, mas nem concluí o ano. Naquela época, ele conta, não se falava muito de inclusão de crianças cegas. E a escola chamou minha mãe e disse que não tinha como me manter nas aulas, pela dificuldade.
Mas a falta de estudo e a visão reduzida em 95% nos dois olhos, não limitaram a forma como Márcio via o mundo. Ele enfrentou o que a vida tinha lhe reservado.
No mercado de trabalho só sobrou serviço braçal.
Eu trabalhei fazendo valetas, carregando toras, e também nos cargos mais simples na construção civil. Fui trabalhando. Tudo o que ninguém queria fazer, sobrava pra mim, e eu fazia.
O jovem se casou. Da união com a esposa Sirlei, hoje também com 53 anos, nasceu o filho Marcelo. Os estudos não foram esquecidos. Mas só aos 28 anos, é que ele retornou às salas de aula. E delas [das salas de aula], só saiu após concluir o ensino médio. Que visão de mundo!
Mas há oito anos, Márcio enfrentou mais um obstáculo: com o descolamento da retina do olho direito, passou a enxergar 5% apenas com o olho esquerdo. Visão que também deixou de ter há dois anos, e pelo mesmo motivo. Hoje Márcio é 100% cego. Mas o que falta aos olhos sobram nas mãos, no coração, no ouvido e no tato.
“Eu comprei um sítio há 10 anos no Distrito do Guairacá, e faz nove anos que moro lá”, comentou entusiasmado.
Até aí tudo bem. Mas se já é difícil imaginar viver sem enxergar na cidade, o que dizer então desse guarapuavano que escolheu a tranquilidade da área rural e a proximidade com a natureza, para morar com a esposa? A surpresa veio quando o produtor rural contou tudo o que faz sozinho, na propriedade.
Cuido dos animais, tem galinha, tem vaquinha. Ordenho elas. Com leite fazemos doce de leite e queijo. Corto lenha, roço o pasto, cozinho, faço café e chimarrão. Faço tudo o que uma pessoa que enxerga faz.
Márcio diz que para tirar leite das vacas, é só chegar perto do estábulo e chamar os animais pelo nome. “Elas vem até mim e eu tiro o leite sossegado”. A locomoção de um lado ao outro do sítio, não é problema. Ele conhece cada pedaço de chão da propriedade.
Para se locomover ele conta que se guia pelo rastro dos animais e pelas cercas. “A cegueira não me limita em nada. Eu ando normalmente pelo sítio”. Não é novidade que o trabalho do dia a dia no campo é pesado. Mas pra ele, parece que não. “Faço até cerca de arame, e não me machuco. Faço com mais atenção”, ele explica.
Essa habilidade vai sair do anonimato. Márcio quer divulgar um pouco das coisas que faz sozinho, mesmo sem exergar. O objetivo segundo ele, é “ajudar outras pessoas que possam estar passando por algo parecido ou mesmo que tenham limitação de visão”.
Em um canal no youtube, ele quer mostrar a rotina de trabalho com vídeos gravados pela família. Abaixo, você acompanha alguns trechos do vídeo publicado na íntegra no ‘Canal do Márcio’.
Mesmo sem enxergar não me sinto à margem da sociedade. Não quero que pessoas com problemas na visão como eu, façam o que eu faço, que cortem lenha ou tratem dos animais. O que eu quero mostrar é que todos nós temos uma habilidade. A cegueira não me deixa ver, mas não me impede de fazer aquilo que sei e gosto.
Você que está lendo esta reportagem, pode até estar se perguntando ou pensando. ‘Eu enxergo muito bem e não tenho a alegria e a força de vontade do Márcio’. Mas para todos nós, o produtor rural não se cansa de compartilhar ensinamentos.
“Não lamento nada do que aconteceu comigo. Cada um de nós tem uma missão aqui na terra. E a cegueira me fez crescer como ser humano. Eu vivo bem e feliz. Eu produzo alimento, o pão que comemos em casa. Até sobremesa eu faço”, completou.
Ele conta que a busca pela independência e a inclusão na sociedade impressionam até a esposa.
Ela fica admirada. Tem coisas que ela acha difícil fazer enxergando e pede pra mim. E eu faço rápido sem ver. Ninguém é diferente de ninguém. É preciso apenas abraçar a oportunidade que a vida nos deu. E viver.