O Portal RSN inicia hoje a série “Liberdade Vigiada”, com reportagens sobre a Penitenciária Estadual de Guarapuava – Unidade de Progressão (PEG UP). Entretanto, você que começou a ler está reportagem pode estar pensando: o que levou um jornalista, a passar um dia inteiro dentro da PEG UP e fazer uma série de reportagens sobre a unidade?
Vou tentar explicar. Não dá mais para tampar o sol com a peneira. O caos instalado dentro da Cadeia Pública de Guarapuava pode ser traduzida pela morte em série por enforcamentos. De março até junho, seis presos foram mortos enforcados em Guarapuava. Cinco na cadeia e um na PIG. Todos de forma parecida. No dia 30 de setembro, mais uma morte foi registrada dentro da carceragem da cadeia. Desta vez, um preso morreu após ‘passar mal’. Conforme o Instituto Médico Legal (IML), a causa da morte de Rafael Bvalchknevstz da Silva, 25 anos, é indefinida.
BARRIL DE PÓLVORA
Há muito tempo, o Portal RSN denuncia com reportagens, a precariedade da cadeia, as mortes, as tentativas de fuga e as apreensões de drogas, armas e celulares. Também não é novidade que na cadeia de Guarapuava existem mais de 40 faccionados do PCC, que disputam o poder dentro da carceragem, e têm como moeda de troca, o medo e a vida de quem não adere à facção.
Um submundo que quem conheceu, tenta esquecer. No fim de agosto, o Depen – Departamento Penitenciário do Paraná havia informado que a cadeia possui 429 presos. São 378 homens e 51 mulheres. O espaço foi construído para abrigar 166 presos provisórios. Superlotada, a cadeia é portanto, um barril de pólvora prestes a explodir. E é sim um problema que precisa ser resolvido pelas autoridades, com a construção de uma casa de custódia. Assim, o cadeião bem no centro da cidade seria desativado.
UM NOVO CONCEITO
Essa é a referência que temos quando falamos ou pensamos em sistema prisional, em cadeia ou em presos. Mas na Série “Liberdade Vigiada’ que se inicia hoje, pretende-se mostrar uma história diferente. Um exemplo é o que está sendo desenvolvido desde janeiro deste ano em uma penitenciária de Guarapuava.
Conforme o advogado criminalista e professor de direito penal, Loêdi Lisovski, esse projeto se aplica a fase de semiliberdade no cumprimento da pena, como ele explica no vídeo abaixo.
PEG UP
Preste atenção. Não é cadeia pública, nem PIG – Penitenciária Industrial de Guarapuava. É PEG UP – Penitenciária Estadual de Guarapuava – Unidade de Progressão.
Diferente do que se acostuma imaginar, nesta unidade que tem poucos meses de vida, não existem celas, nem algemas, nem grades, como afirma um preso no vídeo abaixo.
Na PEG UP, o regime é fechado. Porém os presos não são faccionados e ficam soltos. Mas essa não é a maior diferença. Para estar aqui precisa passar por uma ‘seleção’.
E pra se manter na unidade, precisa ter disciplina. E principalmente, estar disposto a trabalhar e a estudar, como explica abaixo, o chefe de segurança da penitenciária, Gilmar Jorge Budniak.
Assim, a PEG UP tenta olhar com humanidade e respeito para quem cometeu algum delito. “Que pague-se o que se deve, mas que saia daqui melhor do que entrou”, diz a direção.
Entretanto, mesmo com esse diferencial, desde janeiro quando a unidade começou a funcionar, 16 presos fugiram. A maioria pulou o alambrado, que divide o mundo externo do espaço de reclusão.
NEM TODOS FICAM
É sabido que em muitos sistemas prisionais, o tempo de reclusão acaba sendo tempo de especialização no crime para muitos presos. Também não é novidade que apesar de terem sido consultados e selecionados, e terem recebido as normas antecipadamente para ingressar na PEG UP, nem todos os internos vão se adaptar a uma vida de regras e disciplina.
E a primeira demonstração dessa rejeição, será a escolha em deixar a unidade antes do cumprimento da pena, pelo caminho mais fácil: pulando o alambrado. O que precisa ficar claro é que por ser uma unidade de progressão, a segurança é mínima.
Assim, não se trata de uma penitenciária de segurança máxima. Se fosse, não seria tão fácil ver o lado de fora, separado apenas por um alambrado.
Por isso também, o nome da série do Portal RSN ser “Liberdade Vigiada”. Na PEG UP, a fuga se dá escalando uma espécie de cerca. Eles não precisam fazer túnel, nem buraco em parede, nem render agente penitenciário para abrir cela. Aliás não existem celas na unidade.
Apenas esse alambrado divide o preso da liberdade, da sociedade. Por isso, a tentação pode ser grande para alguns poucos que fugiram e não entenderam a filosofia do local.
É PRECISO PAGAR A PENA COM DIGNIDADE
O preso precisa ‘pagar’ o débito que tem com a sociedade. Se não for aqui, será em outra unidade. Mas quando ele vem para uma unidade de progressão, ele ainda poderá avançar nos estudos e trabalhar.
Como afirmou um dos entrevistados da penitenciária. “Eu diria que [a PEG UP] beira a perfeição pra realidade da situação carcerária que o país vive hoje em dia”, afirmou um dos presos.
Assim, segundo o chefe de segurança da penitenciária, Gilmar Jorge Budniak, “não dá pra entender o que se passa pela cabeça de um interno – que conheceu por exemplo a realidade da cadeia pública – e que decide pular o alambrado faltando dois, três meses para retornar ao convívio social e da família”.
São presos vindos da cadeia pública, da PIG, e que não integram nenhuma facção, nem cometeram crimes hediondos. Quem vem pra cá e realmente quer retornar melhor para a sociedade, permanece. Quem não quer, deixa a unidade. E aqui só existe uma chance. Pra cá ele não volta mais, nem mesmo depois de recapturado.
UM DIA NA PEG UP
O Portal RSN passou um dia inteiro na penitenciária. O intuito foi mostrar que existe um modelo que não está preocupado apenas em manter quem cometeu um crime, isolado da sociedade. Mas em devolver ao convívio de todos nós, uma pessoa recuperada. E que terá a segunda chance de fazer diferente.
Para produzir essa série de reportagens que está começando hoje, nós não quisemos saber o nome dos internos. Os números nos uniformes deles foram suprimidos. A voz dos presos, foi distorcida. As fotos em que aparecem rostos, desfocadas. Não nos interessa identificar quem são essas pessoas.
Podem ser Josés, Paulos, Antônios, Joãos ou Carlos. Todos são internos, todos cometeram algum delito. Mas não foram crimes hediondos. Por isso, não são considerados presos perigosos. Não são faccionados. Por isso estão em uma unidade de progressão.
E é esse o foco dessa série de reportagens. Mostrar histórias de vida. Sonhos e desafios. Esperanças de quem acredita que é possível escrever uma nova história. Queremos compartilhar essas histórias. E você é o nosso convidado a partir de hoje.
Na segunda reportagem da série “Liberdade Vigiada”, você vai conhecer a estrutura dessa unidade prisional que funciona no antigo Crag – o extinto semiaberto de Guarapuava.
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