Padre brasileiro em Roma faz reflexão da Semana Santa e da pandemia
22/08/2023
Cotidiano Mundo

Padre brasileiro em Roma faz reflexão da Semana Santa e da pandemia

"Discursos negacionistas e populistas, têm mostrado ao mundo o quanto o Brasil está sendo um péssimo exemplo a ser seguido"

padre adelson e o papa francisco

“Brasil está sendo um péssimo exemplo a ser seguido”, diz padre Adelson sobre a pandemia (Foto: Arquivo Pessoal/Pe. Adelson Santos)

Nesta Sexta-feira Santa, o Portal RSN entrevistou o padre Adelson Araújo dos Santos. Jesuíta, professor de Teologia Espiritual e único brasileiro a ensinar na tradicional Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma.

O religioso natural de Manaus, vive em Roma desde 2018, e relatou com exclusividade ao Portal, como a pandemia causada pela covid-19 mudou a vivência da Semana Santa deste ano no berço do cristianismo e sede da Igreja Católica, sob a liderança do Papa Francisco. Além disso, comentou como o Brasil é visto do exterior no enfrentamento da pandemia.

CELEBRAÇÕES NO VATICANO

De acordo com padre Adelson, este ano pela segunda vez, o Vaticano suspendeu a presença de multidões nas grandes celebrações do tríduo pascal (quinta, sexta e sábado santo) e do domingo de Páscoa. Desse modo, a mudança é uma forma de proteger as pessoas do contágio do coronavírus, presente nas cidades italianas em um número preocupante.

As celebrações costumeiramente celebradas na Praça São Pedro passaram para o interior da basílica e com público reduzido. O mesmo ocorre nas diversas paróquias romanas. Por motivos de segurança sanitária, deixou-se de fazer o tradicional ‘lava pés’ na missa da Quinta-feira. E a ‘Via-Sacra’ da Sexta-Feira da Paixão conduzida pelo Papa, que todos os anos reúne milhares de pessoas ao redor do Coliseu, foi substituída por outra de menor proporção, realizada sem a presença de fiéis na praça São Pedro.

(Foto: Arquivo Pessoal/Pe. Adelson Santos)

AMOR DE DEUS

Novamente a pandemia desafia os católicos na descoberta do verdadeiro sentido das celebrações da semana santa, o que de acordo com padre Adelson, para muitos já não passa de um feriado prolongado. Além disso, para outros, os ritos se limitam em provocar nenhum impacto na vida pessoal e nas estruturas da sociedade.

Conforme o religioso, na homilia do Domingo de Ramos, o Papa recordava que São Francisco de Assis “ao contemplar o Crucificado, maravilhava-se com os seus frades por não chorarem. E nós, conseguimos ainda deixar-nos comover pelo amor de Deus? Porque é que já não sabemos surpreender-nos à vista d’Ele? Porquê?”.

Essas palavras do Papa Francisco nos desafiam a entrar no mistério da mensagem que Cristo nos comunica com a sua própria vida, paixão, morte e ressurreição: a de que somos amados. O Papa diz que deveríamos sempre deixar-nos surpreender por esta boa notícia: Olhemos o Crucificado e digamos-Lhe: ‘Senhor, quanto me amais! Como sou precioso a vossos olhos!’.

Mas, em seguida Francisco adverte que a experiência de se sentir amado por Deus não pode nos fechar em nosso egoísmo e indiferença. Mas ao contrário, deve nos levar a compreender “que, acolhendo o descartado, aproximando-nos do humilhado pela vida, amamos Jesus, porque Ele está nos últimos, nos rejeitados, naqueles que a nossa cultura farisaica condena”.

(Foto: Arquivo Pessoal/Pe. Adelson Santos)

ATO CONCRETO

De acordo com o padre Adelson, para mostrar com gestos concretos que leva a sério o que prega, o líder da Igreja Católica decidiu que nesta semana santa, o Vaticano patrocinasse e promovesse uma campanha de vacinação de mais de 100 moradores de rua de Roma. “Justamente para recordar que nestes nossos irmãos, Cristo continua sendo crucificado em nossos dias”.

No momento em que determinados grupos que se dizem católicos no Brasil fazem protestos contra as normas de segurança para conter a pandemia, tais como o uso de máscaras, distanciamento social e a suspensão de celebrações nas igrejas, chegando até mesmo a negar que esteja havendo tantas mortes por covid, o Papa vem nos ensinar que podemos viver a nossa fé de forma criativa e com profunda espiritualidade e caridade, ainda que afastados temporariamente dos sagrados sacramentos.

Adelson afirma que é inegável que todos, seja na Itália ou no Brasil, estão cansados de não poderem visitar os entes queridos. De circular livremente de um lugar a outro, de viajar, de voltar a celebrar juntos.

(Foto: Arquivo Pessoal/Pe. Adelson Santos)

CRUZ QUE SALVA

Além disso, o religioso disse que como professor, precisou se adaptar também às aulas virtuais, buscando a criatividade para não deixar cair a qualidade das aulas e a motivação dos alunos.

“Contudo, nessa hora podemos lembrar de tantas famílias que estão passando fome com toda esta situação. Assim como daquelas outras que choram a morte de algum ente querido. Isso deveria me levar a ter menos preocupação com o meu bem-estar e mais solidário com os que mais sofrem os efeitos desta pandemia”.

Conforme Adelson, nessa quinta-feira santa, falando aos sacerdotes na missa, o Papa Francisco mais uma vez recordou que ‘é verdade que, no anúncio do Evangelho, há cruz; mas é uma cruz que salva. Pacificada com o Sangue de Jesus, é uma cruz com a força da vitória de Cristo que vence o mal e liberta-nos do maligno”.

Padre Adelson é o único brasileiro a ensinar na tradicional Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma (Foto: Arquivo Pessoal/Pe. Adelson Santos)

BRASIL

Assim, o verdadeiro cristão, não perde a esperança, nem tão pouco é indiferente com a cruz dos irmãos. De acordo com padre Adelson, é vergonhoso que o Brasil, considerado o maior maior país católico do mundo em população, veja cenas como as que temos visto, mesmo do exterior.

“Carreatas e buzinaços em frente a hospitais onde médicos e enfermeiros lutam para salvar a vida de centenas de doentes de covid. Aglomerações desnecessárias e totalmente irresponsáveis em praias e festas clandestinas. Além disso, protestos contra as únicas medidas que até agora se mostraram eficazes cientificamente para conter o avanço do número de contágios e de mortes”.

Por fim, eu espero que o exemplo de Cristo na cruz e as palavras do Papa Francisco convertam os corações endurecidos. E ainda, as mentes cegas dos governantes e de parte da população seduzida pelos discursos negacionistas e populistas. Discursos estes que têm mostrado ao mundo, o quanto o Brasil está sendo um péssimo exemplo a ser seguido.

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Gilson Boschiero

Jornalista

Possui graduação em Jornalismo, pela Universidade Metodista de Piracicaba (1996). Mestre em Geografia pela Unicentro/PR. Tem experiência de 28 anos na área de Comunicação, com ênfase em telejornalismo e edição. Foi repórter, editor e apresentador de telejornais da TV Cultura, CNT, TV Gazeta/SP, SBT/SP, BandNews, Rede Amazônica, TV Diário, TV Vanguarda e RPC. De 2015 a 2018 foi professor colaborador do Departamento de Comunicação Social da Unicentro - Universidade do Centro-Oeste do Paraná. Em fevereiro de 2019, passou a ser o editor chefe do Portal RSN.

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