22/08/2023
Segurança

Presas convivem com o drama de sobreviverem longe dos filhos

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Por Cristina Esteche e Dalner Palomo

A cor cinza que predomina nos cubículos traduz o estado de espírito das mulheres que se aglomeram nas três celas da Cadeia Pública de Guarapuava, das quais quase em sua totalidade presas por tráfico de drogas. Das 41 mulheres que estão nessa condição apenas duas estão presas por homicídio.

Somente num espaço, 23 presas convivem e dividem os dramas. Atrás de cada prisão há histórias marcadas pela luta da sobrevivência. São pessoas casadas com traficantes, usuárias, abandonadas mães com filhos para criar, que moram em outros municípios, outros estados e em Guarapuava. A faixa etária surpreende, pois é grande o número de jovens entre 19 e 20 anos, passando também por senhoras acima de 40 anos. Quase todas possuem filhos e é o destino deles que mais as preocupa.

Quando entramos na cela o primeiro momento foi de receio, mas aos poucos, elas foram se aproximando e dando vazão aos seus sentimentos. Explosões de choro foram seqüentes à medida em que cada uma queria contar a sua história. É como se fôssemos o único elo entre elas e o mundo exterior às paredes da cadeia.

Maria Valdete Soares, 48 anos, é de Salto Del Guairá, na fronteira entre o Brasil e o Paraguai. Ela está presa há 1 ano e 10 meses e nunca mais teve contato com a família pela dificuldade econômica. Condenada há 8,9 anos por tráfico de droga, conseguiu baixar a pena para 5 anos. Mãe de cinco filhos, dos quais o menor possui 10 anos de idade. “Entrei para o tráfico para poder pagar a faculdade dos meus filhos, mas hoje sei que dinheiro nenhum vale a liberdade e nem a saudade insuportável que sinto dos meus filhos. A minha maior dor é que desde que estou presa nunca mais passei o Dia das Mães na presença deles”, fala

Jussara do Nascimento, 40 anos, é reincidente por tráfico de drogas e de armas, e está condenada há 11 anos e 8 meses. “Saí da prisão e caí de novo quando estava 30 dias na rua”, conta. Moradora em Foz do Iguaçu, mãe de três filhos, diz que entrou para o submundo das drogas por necessidade financeira. “Minhas dívidas foram se acumulando e a única saída que encontrei foi o tráfico. Quando saí após ter ficado presa durante três anos, procurei emprego. Mas quando você tem o rótulo de presidiária as coisas ficam ainda mais difíceis”, afirma. “Você sabe o que é chegar em casa e ver um filho chorando de fome, ver outro dizer que vai largar a faculdade porque não pode pagar? A única saída que tive foi voltar para o tráfico, mas hoje como pão com ovo para ficar junto com os meus filhos”, assegura.

“O JUDICIÁRIO QUANDO CONDENA
NÃO SABE O CONFLITO QUE GERA”

A história de Elizete Freitas, 36 anos, que mora no município de Candói, não é diferente. Mãe de um filho, foi presa com 60 gramas de maconha encontradas dentro de um travesseiro que tentou “passar” para o esposo que também está preso. “Ele é viciado e sei o que ele sente quando fica sem a droga. Eu nunca trafiquei”, diz.

Zélia Zuleck, 42 anos, mora na Vila Primavera em Guarapuava, é usuária de crack e diz que foi presa com 16 pedras de crack de “cincão” cada uma. O valor é citado para dizer que as pedras eram pequenas. “Não dava duas gramas”. Condenada a 5 anos e 10 meses de prisão deixou dois filhos sozinhos. “Não sei onde e com quem eles estão”, diz entre lágrimas.
“Quando o judiciário condena uma pessoa não sabe o conflito que existe por trás e que se agrava ainda mais. São crianças que ficam sem mães. Eu cuidava da minha que tem Alzheimer. Tivemos que montar uma mini UTI em casa. Tenho uma filha hoje com 10 meses e que eu amamentava e que há três meses não vejo”, relata Mari Ramires, de Foz do Iguaçu,enquanto chora compulsivamente. Ela e o marido foram presos há três meses com 164 quilos de maconha que seria levado para São Paulo.

As histórias são muitas e se confundem. Marines Albuquerque está na cadeia há 8 anos. Morava no Alto da XV em Guarapuava e ficou viúva no dia 17 de abril. Tem uma filha com 16 anos que está grávida e outros dois filhos. Foi presa por escuta telefônica quando conversava com o namorado da filha que é acusado por tráfico de droga. “Não sei como estão meus filhos. Não sei quem vai cuidar da minha filha quando o bebê nascer”, diz.

Amanda, Adriana, Tatiane, Michele e tantas outras também protagonizam histórias patrocinadas pelo tráfico de drogas. Algumas foram flagradas com grande quantidade, outras foram traídas apenas por palavras, mas dividem a mesma dor que é agravada pela ausência dos filhos no Dia das Mães. A solidariedade, a cumplicidade que encontram uma na outra quando incentivam que esta ou aquela conte a sua história chama a atenção. Assim como as toalhas e as roupas coloridas penduradas pelo teto e pelos beliches tentam esconder as infiltrações que racham a parede. Como se fossem as fissuras que essas mulheres, independente do que e porque fizeram, fazem um recorte em suas vidas.

Cristina Esteche

Jornalista

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