22/08/2023
Cotidiano

TEATRO- Mandorová leva santos caboclos para o palco

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Raízes ancestrais dos atores celebram São Sebastião, São João Maria e São Gonçalo

O mundo do caboclo multiplica-se constantemente. Afinal, ele é senhor de um universo de palavras, palavras faladas, inseridas em histórias, causos, anedotas.
Miscigenação entre o branco e o índio, sem deixar de ter um pé também na senzala, o caboclo dá origem à maioria do povo brasileiro.
Sem nunca ter se “ligado” nessa ancestralidade, três artistas que compõem o Grupo Mandorová, uma “troupe” que reúne atores, músicos, bailarinos, artistas plásticos, entre outros representantes de segmentos culturais da cidade, resolveram montar um espetáculo enfocando esse tema.
Durante pesquisas, principalmente, com seus avós, acabaram descobrindo que todos possuem um pé no chão batido, como diz o ator Marcio Ramos, um dos integrantes do Mandorová, grupo que nasceu com a montagem de autos de Natal em 2006.
O espetáculo, que é composto pelo ator Marcio Ramos, pelo artista plástico Alex Kua, pelo músico Krystian Ratier, nasceu na chácara onde Kua mora, na localidade do Guabiroba.
“Foi uma relação muito forte com o espírito do mato e resolvemos fazer essa pesquisa a partir dos nossos ancestrais”, diz Kua. O trabalho de pesquisa que começou com experiências e informações de seus avós os levou até a espiritualidade, com cultos a santos típicos da crença cabocla.
“Eu sempre tive uma relação com São João Maria e acabei descobrindo que meu avô era ligado ao espiritismo, era curandeiro, benzedor de lavoura, que com suas orações espantava vaquinhas (inseto prejudicial à lavouras). Ele era morador do Jordão e tinha uma ligação com esse profeta”, conta Marcio Ramos.
Krysthian achou que tinha descendência francesa e que não possuía nenhum elo com a origem cabocla. Enganou-se. “Durante minhas pesquisas familiares descobri que meu avô era violeiro nas festas de São Gonçalo”, diz.
Alex Kua sempre teve uma afinidade com São Sebastião por ser um santo guerreiro, por ter relação dentro do sincretismo religioso com Oxossi (orixá do candomblé). A linha do destino também o devolveu às suas raízes ancestrais, e é uma homenagem a esses santos que eles levarão ao palco.
Outro aspecto descoberto durante as pesquisas dos três artistas é que a violência doméstica patrocinada pelo sistema patriarcal e machista sempre esteve presente nos lares guarapuavanos. “Quando cada um de nós perguntou às nossas avós a respeito dos avôs a primeira referência foi de que eles eram muito ruins”, diz Alex Khua.
“Elas nos contaram que as agressões e expulsões de casa aconteciam após consumo excessivo de bebida alcoólica”, contribui Marcio Ramos.
É justamente essa situação que vai dar inicio ao espetáculo que vai estrear na Unicentro, ainda sem data prevista. “Tudo vai começar com uma festa”, diz Marcio.
Segundo os atores, a linguagem cênica será simbólica, “extremamente teatral”, com pouco texto. “Será uma leitura sem ferir o sagrado”, observa Marcio Ramos.
Para os artistas, tudo está sendo movido pela intuição. “Nosso primeiro ensaio aconteceu no dia 20 de janeiro e foi uma celebração, porque sem sabermos era o dia consagrado a São Sebastião”, relembra Marcio.
FALTA PATROCÍNIO
O maior entrave para essa produção é a falta de patrocínio. Embora tenha uma atuação bem forte no meio artístico guarapuavano, o grupo não consegue ter acesso à Lei de Incentivo à Cultura. “Levei um projeto na Casa da Cultura e tentei agendar com a diretora Alba Condessa. Não fui recebido e não obtive retorno até hoje”, lamenta Alex Kua.
Foto: Alex Khua e Marcio Ramos

Cristina Esteche

Jornalista

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