22/08/2023
Brasil Geral

O que esperar dessa turma de futuros médicos brasileiros?

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Jonas Laskouski

A imagem aí em cima está correndo o Brasil desde essa última segunda feira (10). Num post corajoso, a carioca Elika Takimoto – vencedora do Prêmio Saraiva de Literatura, doutora em Filosofia, mestre em História e professora de Física – publicou esse lastimável registro, acompanhado de um depoimento onde conta certos trechos de capítulos nada agradáveis acontecidos quando era apenas uma menina e depois, ainda adolescente. Leia o que ela escreveu e aí você vai entender. Segue o texto;

"Quando eu tinha dez anos fui ao oftalmologista. Ele apagou as luzes para eu ler as letrinhas iluminadas ali na frente. Com a minha mãe no consultório, ele colocou o pênis dele para fora, me sarrou o braço e forçou a minha mão para mexer nele. Eu não sabia o que fazer. Minha mãe não percebeu nada porque estava olhando para as letrinhas iluminadas. Saí de lá. Não conseguia falar. Fiquei com medo de sabe Deus o quê.

A história se repetiu com um ginecologista que me apalpou de um jeito estranho. Era adolescente e também não soube reagir. Tive medo de novo de contar para alguém e ser criticada porque não fiz nada ou, pior, me culparem por isso.

Daí, vejo essa foto. Futuros médicos fazendo apologia ao estupro da Universidade Vila Velha, ES, com  calça arriada fazendo sinal obsceno com as mãos. Um deles, disseram, postou a foto no perfil com a hashtag #pintonervoso.

E quando afirmamos que todo homem é um estuprador em potencial porque não sabemos de onde pode vir o ataque somos criticadas por generalizar. Entendam: não é sobre você. É sobre como nos sentimos ameaçadas e sem saber quando e em quem confiar até mesmo nos locais que deveriam ser nosso porto seguro, como um consultório em que vamos procurando cuidados.

Que esses “futuros médicos”  jamais sejam médicos. Que a Universidade expulse todos e a sociedade entenda que não mais aceitaremos esse tipo de apologia ao estupro e “brincadeiras” com esse tipo de coisa.

Mais uma vez, brincadeira é quando todos se divertem. Se um lado sente medo, isso tem outro nome. Vê se aprendem de vez."

Até às 13h35 desta terça feira (11), o post já foi compartilhado 37.740 vezes, causando mais de 81 mil reações e cerca de 6 mil comentários. Óbvio! Ou esses pseudo-homens, pseudo-acadêmicos e pseudo-futuros médicos esperavam o que? Aplausos e curtidas? O que fica mais claro e o que deixa muita gente (mulheres, principalmente) com um sentimento de revolta e tristeza e indignação é que por mais que se fale, todo santo dia, de violência contra a mulher e machismo, por mais que se tente educar e conscientizar, não adianta. De onde deveria partir o respeito, vem a ignorância fantasiada com jaleco. 

Não vamos generalizar, pois é indiscutível a existência de profissionais comprometidos com a ética e com o bom-senso, e também com o mínimo de educação. O que não acontece com esse bando de machos aí na foto. A Universidade Vila Velha emitiu um comunicado dizendo o seguinte: 

"A Universidade Vila Velha repudia todas as formas de ofensa e desrespeito, seja de cunho preconceituoso ou exposição indevida de uma profissão. Somos uma Universidade comprometida com a educação e com uma formação cidadã. Procuramos desenvolver em nossos alunos valores éticos e morais.

Ao tomar conhecimento das fotos divulgadas por alunos em suas redes sociais particulares, a direção determinou que a coordenação de Medicina ouvisse os alunos e os alertasse acerca da gravidade das publicações. Em seguida, foi procedida a abertura de um processo de sindicância para apuração do ocorrido e para penalização dos que vierem a ser responsabilizados.

Deixamos claro que os atos dos alunos foram iniciativas pessoais e em completo desacordo com orientações que recebem dos professores e coordenadores da instituição ao longo da sua formação acadêmica."

Na noite de ontem, tentamos entrar em contato com Elika, que nos atendeu gentilmente. Queríamos saber a identidade do acadêmico que havia postado a foto com a #pintonervoso. "No site Mídia Ninja, uma pessoa comentou que era amigo de um deles e que havia essa hashtag. Não confirmei. Acreditei porque achei bem verossímil. Posso ter errado em minha conduta."

Errou não, Elika. Que venham mais mulheres como você, que venham mais capas como a da revista Veja dessa semana sobre o assédio sexual, que venham mais denúncias sobre atores e músicos que acham que ainda há espaço para o 'macho garanhão'. Que venha, de uma vez por todas, mais respeito. Simples. E ao mesmo tempo complexo de entender. Não é, 'macharada'?

EM TEMPO: Parece que os futuros médicos de Blumenau acharam bonito e resolveram imitar. Dá para parar ou é tão difícil assim ser ético?

 

Cristina Esteche

Jornalista

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