22/08/2023
Guarapuava

As vadias ferem o ego do macho!

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Uma cidade incorpora a cultura, os usos e costumes, a política, a cara do seu povo. Andar pelas ruas de Guarapuava é ver uma faceta cultural originária das várias etnias que se encaixam para dar vida a esse espaço geográfico no Centro-Sul do Paraná.

As cores, os traços, as caras, os trejeitos, a história, nos mostram que a terra do lobo bravo, mesmo com o passar dos anos, ainda se mantém fechada, conservadora, com resistência ao novo, às conquistas que fogem do padrão imposto pelo macho. E quem permite desnudar esse lado, de maneira explícita são as redes sociais, num lado perverso dessa tecnologia, onde tudo pode. Se é para agredir, julgar, condenar, cada um tem a sua sentença e quanto mais cruel, melhor.

Uma demonstração dessa faceta retrógrada, escravizante e excludente pode ser comprovada pelos comentários postados em matérias produzidas pela RedeSul de Notícias sobre o evento “Marcha das Vadias” e o Coletivo Feminista Claudia da Silva. Um leitor chegou ao cúmulo de comentar que iria à marcha para ver “peitos das meninas”. Em relação aos demais, não vou perder o meu tempo. Prefiro que pautem a minha indignação.

Com certeza desconhecem que em abril de 2011, um policial canadense, ao fazer uma palestra sobre violência, afirmou que as mulheres evitariam estupros se não se vestissem como vadias, vagabundas – daí a denominação da marcha – ,  julgando pela aparência. E quanto aos lobos famintos pela carne fresca que ainda vêm a mulher como objeto sexual, como uma mercadoria a ser comprada, numa clara relação de poder? E quando um homem, independente da idade, é estuprado – e isso acontece às pencas – qual é o motivo? As suas roupas?

Será que não é possível, em pleno século XXI, a pessoa, independente do gênero, exercer o direito que possui sobre o seu próprio corpo, sobre as suas escolhas, sejam sexuais ou qualquer outro livre arbítrio? Por que essa igualdade de direitos tem que estar condicionada ao controle da sexualidade, principalmente, feminina? Será que é preciso viver eternamente sob a “capa” da mulher recatada, sempre bela à espera do marido, e do lar (rs)? É esse o exemplo de conduta imposta pela sociedade machista, pelo falso moralismo, por pessoas que usam viseira – e ainda acham que é bonito – e julgam quem não se submete a uma ordem social que pune desejos, que castra direitos?

Mas o grito feminista fere, amedronta, fragiliza o macho, ao expor o crepúsculo de um território que até bem pouco tempo era dominado. Pode parecer clichê, mas a verdade é uma só: a mulher avança a passos largos em direção a um novo nascer levada pela vontade de exercer livremente a sua sexualidade, de expor o seu corpo de maneira natural, sem rótulos, sem apelo sexual; de mostrar os seios como uma parte sagrada do seu corpo, uma extensão do ventre que pare – sim, é do verbo parir – também os mesmos homens que teimam em violentá-la. Ela quer viver sem ser julgada, sem ser punida, sem ser rotulada. Ela quer escolher se quer ou não ter filhos; ela que ser valorizada profissionalmente; ela quer ter vez e voz na política, no mercado das grandes corporações. E por isso, ela sai à ruas, ela grita, ela mostra a sua indignação com um sistema que é opressor. Ela luta contra a violência que é patrocinada por quem? Pelo machismo que espanca, que mutila emocional e fisicamente. A violência é usada para constranger mulheres a cercear sua autonomia e obedecer ao agressor. E é esse grito que ecoa pelas ruas durante a Marcha das Vadias, incomodando as mentes paralisadas. É preciso evoluir, acompanhar as mudanças globais, reconhecer direitos, aceitar as diferenças.

As velhas páginas amareladas da história são importantes, sim. Fazem parte de épocas, de ciclos, cuja importância é reconhecida. Mas teimar em permanecer no passado é, no mínimo, deprimente. É preciso escrever novas páginas, novos capítulos. Cada um à sua maneira. E as mulheres, em vez da violência, preferem marchar. Não sob o rufar de tambores e cornetas. A palavra de ordem é outra: igualdade, em todos os sentidos! E isso vale também para os homens, aqueles que tem a porção feminina mais acentuada, e para as mulheres: aquelas que tem o seu lado masculino mais evidente. Afinal, cabe a cada um fazer as suas escolhas e ninguém tem, absolutamente, nada a ver com isso. 

Cristina Esteche

Jornalista

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