22/08/2023
Brasil

A depressão política absorve o ser humano

O sonho da política do amanhã, de um horizonte diferente e especial está cada vez mais distante. A máxima de que ‘enquanto houver processos democráticos, o cidadão poderá resistir  e até sobreviver’ está em ruína. Corremos  riscos cedo, à tarde e à noite. A possibilidade de um contraponto com perspectiva de atingir objetivos concretos na vida pública, não entusiasma mais. O desencanto é gritante.

Relendo trechos de ‘Raízes do Brasil’  de Sérgio Buarque de Holanda tive o insight de que nossos jovens   não reconhecem mais o Brasil  como um país do futuro. Na mesma proporção parece que não conhecem nosso passado e,  ao que tudo indica,  desconhecerão o futuro. Tudo gira em torno de um presente pesado. Talvez, hipoteticamente, se parte do  judiciário cumprir o que tem anunciado { pouco provável }, poderemos recomeçar tudo de novo, com novos fundamentos.

Desde cedo uma de minhas máximas favoritas sempre foi: “o que não se regenera, degenera”, ou ainda “nada está estabelecido para sempre”.  Dito de outra forma, se você tem corrupção endêmica, não é para sempre, pode degenerar.  Deste modo, sempre acreditei na força  da regeneração e sentir a necessidade dessa força de regeneração sempre me tonificou. Mas confesso que neste exato momento sinto-me potencialmente impotente diante do veredicto de que não é mais o futuro que importa, mas sim o presente.

Apesar disto, continuo em movimento e, dia após dia,  tento compreender o que se passa, afinal como escreveu Spinoza ‘a liberdade consiste em conhecer os cordéis que nos manipulam’. Mas o simples  diagnóstico não tem sacudido o mundo, mas sim a realidade, a dura realidade. É ela, a realidade, que tem tirado o sonho das pessoas,  colocando-as na rede da depressão política. Entre o acordar e o voltar a dormir, as pessoas sem escolha, estão voltando para a cama e se conformando com o que se ouve no discurso único da mídia oficial.

O filósofo italiano Giorgio Agamben diz que nossa alegria e nossa dor é pelo mundo ser assim e não de outra forma como queríamos. Assim,  a humanidade caminha para se tornar  uma  legião de pessoas que,  por necessidade,   abandonam a  guerra política  e encolhem-se  no mundo privado. Acreditam que estão jogando  a água suja da banheira para tentar salvar o bebê.
Alguns poucos, cada vez mais isolados, continuam  em guerra, como Foucault já nos advertia,  mesmo que a aparência da paz  iluda muitos. Gritam todos os mesmos slogans, mas na verdade têm interesses diversos e expectativas difusas. Assim, a fragmentação não nos leva a lugar algum.

Ora, faz tempo que sei que a raiva e o ódio são incapazes de transformar a realidade e está  claro que estes sentimentos passionais   não resultam  em mudança compartilhada.  É preciso encontrar outra estratégia.

Em desvantagem, sabemos  da verdade sobre nossos atuais homens públicos, ou seja, que   sabem o que fazem e que  continuam fazendo, apesar de tudo.

Qual a solução? Será a volta de um populismo saudável ?  Será o culto do niilismo? Sinceramente não sei. Parece que populistas na política são sempre os outros, os adversários. Na verdade, qualquer bom partido deveria ser populista,  ou seja, escutar o que pensam e o que pedem as pessoas comuns, os cidadãos. No entanto, no debate político a palavra é usada em sentido pejorativo.

Por fim, deixo um recado. Não me preocupa a suposta ameaça do populismo que pode voltar em 2018, mas a possível resposta autoritária à crise da democracia.


Cristina Esteche

Jornalista

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