22/08/2023
Guarapuava Segurança

“Eu tranquei a porta e pensei: agora não volta mais. Nem que bata”, diz guarapuavana vítima de violência doméstica

Em seis meses de atuação, Patrulha Maria da Penha mudou essa história e a de outras 365 mulheres no município

Maria da Penha - foto 1

Quando amanheceu o dia, ele saiu, já mais calmo e falou: ‘quando eu voltar, eu vou te matar estrangulada!’ Eu tranquei a porta e pensei: ‘agora não volta mais. Nem que bata’.

O relato é de uma mulher guarapuavana que decidiu lutar pela própria vida e buscar ajuda para romper o ciclo da violência em que estava em seu relacionamento. Para ela, a violência moral, psicológica e patrimonial apresentou sinais nos primeiros anos em que o casal passou a morar junto, em um bairro da cidade.

“Ele começou a ser ruim, começou a controlar o dinheiro, ficar ruim com nossa filha, falar vários palavrões ‘demônio’, ‘sai daqui’, e aquilo foi carregando. Vai fazer um ano agora que eu descobri a primeira traição dele […], quando eu descobri essa traição, eu separei, mas fiquei pouco tempo separada porque minha menina era bem pequena, eu tava sem trabalho e ele vinha na minha cabeça: ‘você vai morrer de fome! Você não consegue serviço!’”

(Foto: Nádia Moccelin/RSN)

Após uma reconciliação, o casal retomou o relacionamento e a primeira agressão física ocorreu. “Nesse dia ele me empurrou e bateu a minha cabeça na parede porque eu quis pegar o celular dele. Foi a primeira vez que ele me bateu. Só que ele sempre me dizia assim: ‘se você se separar de mim, eu te mato. Se eu não te matar, você vai morrer de fome porque você não consegue serviço’”.

O primeiro boletim de ocorrência foi registrado pela vítima neste dia. Imersa no ciclo na violência, ela não prosseguiu com a denúncia na época. Foi uma noite de extremo terror para ela e a filha que a encorajou a romper o ciclo. Por ciúmes, o agressor cometeu a primeira tentativa de feminicídio este ano.

Ele falou assim: ‘eu vou achar uma faca agora e vou te esquartejar. Te matar agora!” Aí ele não achou uma faca, achou uma tesoura bem grande, veio com a tesoura pra mim e falou: ‘se você gritar, eu vou te furar’. E foi a madrugada inteira, me cutucando as costas, o rosto, dizia que eu ia morrer, que eu não merecia viver, que eu era uma vagabunda, que eu ia morrer de fome se eu ficasse sem ele, que ele podia ir embora mas que eu ia morrer, que ia colocar fogo comigo e com a nossa filha dentro de casa, junto, que ia me difamar, foi a madrugada inteira. E eu comecei a chorar porque eu pensei que ele ia me matar.

Depois de horas de angústia, medo, impotência, violência e terror, ao amanhecer e ver seu agressor sair pela porta de casa, a vítima decidiu que lutaria por sua vida.

Fiquei quieta a noite toda. Quando eu cochilava, eu acordava com ele abrindo e fechando a tesoura na minha orelha. Quando amanheceu o dia, ele saiu, já mais calmo e falou: ‘quando eu voltar, eu vou te matar estrangulada. Eu tranquei a porta e disse: agora não volta mais. Nem que bata. Minha filha levantou do sofá e falou: ‘eu vi tudo o que o pai fez com você. Só fiquei quieta pra ele não brigar’. E começou a chorar. E falou: ‘se o pai te matar, por favor, volte e me busque, porque eu não quero ficar’. Aquilo acabou comigo. Ela pediu: ‘largue o pai antes que ele te mate’. Aí eu decidi tomar uma atitude.

(Foto: Nádia Moccelin/RSN)

Com a ajuda da família, ela procurou a Secretaria de Políticas Públicas para as Mulheres de Guarapuava em fevereiro e, no Centro de Referência de Atendimento à Mulher (Cram), encontrou assistência social, jurídica, psicológica e de segurança. Assim como ela, outras 365 mulheres, desde setembro de 2018, estão amparadas pela Patrulha Maria da Penha, que atua no amparo de segurança as vítimas de violência doméstica. Com um veículo exclusivo para esse atendimento, dois policiais militares, Rejane e Faria, de segunda a sexta feira, estão nas ruas e casas de toda mulher guarapuavana que necessite de proteção.

“Nosso primeiro objetivo é minimizar ou zerar o número de feminicídios e o segundo é fazer com que a lei se cumpra. Nosso trabalho é na direção de que o agressor seja punido pelo ato que ele cometeu contra a mulher. A Patrulha Maria da Penha se volta a segurança da vítima que já tem medidas protetivas”, disse a equipe.

A Patrulha Maria da Penha e o CRAM fazem parte da Secretaria de Políticas Públicas para as mulheres (Foto: Nádia Moccelin/RSN)

O número de visitas, segundo a policial Rejane varia de acordo com o grau de periculosidade do quadro de cada vítima, que é avaliado pela equipe. No caso da vítima entrevistada pelo Portal RSN e acompanhada pela equipe desde fevereiro, o monitoramento é constante o que, para ela, faz toda a diferença.

“Passam quase todo dia, às vezes chegam, param, conversam um pouco comigo, até falei para as meninas que eu tô bem protegida porque vejo bastante eles aqui. […] Sempre diziam pra mim, ‘ah, medida protetiva não vale nada, esse negócio da patrulha das mulher não funciona porque nem passam´. E eu agora tirei prova que eles passam sim, eu vejo eles. Não é nem que me disseram. Eu vejo. Falam comigo”.

Em Guarapuava, as 458 medidas recebidas pela Patrulha Maria da Penha estão espalhadas pelo Centro (12), bairros Santana (15), Alto da XV (11), Morro Alto (45), Residencial 2000 (21), São Cristóvão (15), Conradinho (19), Vila Carli (26), Bonsucesso (19), Primavera (21), Industrial (41), Bairros dos Estados (12), Jardim das Américas (14), Alto Cascavel (16), Cascavel (11), Vila Bela (28), Boqueirão (54), Batel (8), Santa Cruz (17), Trianon (6) e Jordão (9). Além disso, nos distritos da Palmeirinha (8), Entre Rios (18), Guará (6), Guairacá (4) e zona rural (2).

(Foto: Nádia Moccelin/RSN)

Às mulheres com histórias parecidas com a dela, a guarapuavana lutadora que conversou com o Portal RSN incentiva a força e a coragem pela denúncia. Apoio e união entre as mulheres não faltarão.

Que não tenham medo. No começo, eu sei que vai dar medo, mas não tenho medo, por que eles sempre estarão perto de você. E a gente é capaz. A gente se acha incapaz, mas nós somos capaz de tudo. Só precisamos ter coragem e fé, acreditar na gente mesmo. Primeira coisa: acreditar que vai conseguir e saber que eles vão tá junto. Não é só ‘acho que não vão tá junto’ ou não funciona. Funciona sim e eu tô de prova. Não é conversa.

Cristina Esteche

Jornalista

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