Hoje amanheci melancólica. Daquelas melancolias úmidas, que combinam com garoa na janela e café no silêncio. Olhei pela fresta da cortina e pensei em deixar tudo debaixo da cama: a política que pesa, os acidentes que se repetem, as cobranças, a pressão que paira sobre a cabeça, os absurdos diários que pingam como notícia velha.
Hoje, não. Hoje eu queria desligar o mundo. Ou pelo menos abaixar o volume. Mas me contento em repetir a frase da velha canção do ‘Raulzito’: “pare o mundo que eu quero descer”.
Queria não ler e nem escrever mais uma manchete, não opinar sobre nada, não precisar organizar a indignação.
O céu, carregado, parece dizer “tá tudo bem querer menos”. E eu aceitei.
O casaco de lã virou escudo e a chuva, trilha sonora.
Na calçada, os passos são poucos. Na rua, o mundo anda em câmera lenta, como se também estivesse cansado.
Abri a janela só o suficiente para cheirar o frio. Aquele cheiro de coisa parada, de terra molhada, de memória antiga. Senti saudade de não sei o quê ao ouvir o tilintar dos ‘mensageiros do vento’ que tenho pendurados em volta da minha casa. Senti saudade, sim. Talvez de mim mesma antes do cansaço, antes do excesso de opinião, de pauta, de posicionamento. E lá vem à memória a música cantada pela Evinha: “eu vou voltar aos velhos tempos de mim. Vestir de novo o meu casaco marrom”.
Mas hoje queria só observar: a gota que desce na vidraça, a minha gata que enrola o corpo no cobertor, o barulho do aquecedor, o crepitar do fogo no fogão a lenha que faz a chaleira chiar. Todos juntos tentando vencer o inverno.
Hoje queria ser a moça da janela que segura a xícara com as duas mãos, como quem segura o tempo.
Tem dias em que tudo pesa, inclusive o necessário.
E nesses dias, tudo o que a gente precisa é se permitir parar.
Não desistir, mas pausar.
Não silenciar para sempre, mas só até o próximo raio de sol.
Hoje, eu só queria isso: chuva lá fora, calma aqui dentro e o mundo em modo soneca.
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