A máxima predominante hoje é ‘não se trata de prever o futuro, mas de capturar o medo presente’. Todos estão com medo, mesmo aqueles que ainda não sabem que estão. É algo invisível e tem estimulado doenças contemporâneas estranhas. O medo de não saber o que vai acontecer. Entre tantos medos, o fim do social e a eleição do funcionalismo público como maior vilão do país é apenas uma arma utilizada por governos intitulados não políticos à sociedade brasileira. O acervo é muito maior. Os protagonistas do mundo sistêmico fazem bem o dever de casa, enquanto que os do mundo vivido estão deixando a desejar. O discurso é muito forte e sedativo. Infelizmente, uma multidão de desavisados tem sido útil na construção deste prédio. Como lembrou o saudoso Umberto Eco, com a internet e as redes sociais, o imbecil passa a opinar a respeito de temas que não entende e que é levado a reproduzir aqui e ali teses suicidas para a coletividade. Esquece-se que também faz parte da coletividade.
É por esta razão que estou convencido de que a primeira disciplina a ser ministrada nas escolas deveria ser sobre como usar a internet, ou seja, análise de discurso ou como analisar informações pausterizadas. Penso que as escolas e os jornais, em vez de se tornarem vítimas da internet, repetindo o que circula na rede, deveriam dedicar espaço para a análise das informações que circulam nos sites, mostrando aos alunos e leitores o que é sério e o que é fraude.
Acredito que Hegel estava certo quando disse que a aula matinal e a leitura dos jornais pela manhã deveria ser a oração dos homens modernos. Fazia aqui um apelo à dialética do esclarecimento. Hoje, infelizmente, apesar de um número de pessoas esclarecidas e politizadas ser maior que antes, o número de pessoas que se submetem às regras do jogo e ao mercado político, quadriplicou. Esta é a fotografia do momento. Esta é a constatação e o diagnóstico. O dispositivo de dominação é muito forte e inibem ações emancipatórias. O raciocínio correto parece ser ‘quanto mais esclarecido e mais politizado, mais passivo ou mais depressivo’. Ao que parece, o domínio do todo tem sido pedagógico e um freio para aqueles que acreditam em um mundo diferente. Há uma percepção de que o heroísmo do engajamento não é mais uma virtude, mas sim um vício. Dito de outra forma, o esclarecimento tem desacelerado projetos utópicos e pavimentado um pragmatismo que assusta. A miséria do ‘politicamente correto’ vem ganhando mais adeptos e simpatizantes. Isto é preocupante. Este é um fenômeno que precisa ser compreendido: porque nos acostumamos a viver em águas poluídas e contaminadas quando já vivemos em águas mais limpas? Será que não existem mais águas limpas? Como é viver o presente sem ter em mente o futuro? O esclarecimento atrapalha ? Será que a ‘comunidade que vem’ já não existe mais ?
Internaliza-se a tese de que o famoso ‘tudo pelo social’ acabou ou está acabando. Assim como acabou ou está acabando o escrúpulo de nossos atuais governantes em seus discursos e declarações. A fala é direta e curta. Fala-se em cortes, remédios amargos, contenção e austeridade como se falava em sexo, ética e futebol outro dia. Não custa lembrar aos marinheiros de primeira viagem a verdade, ou seja, que o fim do social é claramente o fim da sociedade, mesmo que alguns digam o contrário. Aquela máxima de que o social diz respeito apenas ao carente e a sociedade ao eficiente, não é de todo verdade.
A constatação é de que, dia após dia, a voz da economia grita enquanto a voz do social apenas sussurra. Assim, os profissionais de áreas sociais como saúde e educação, além de estarem sob suspeita (este é o discurso oficial), estão assistindo a retirada de seus direitos e vantagens profissionais, como nunca se viu. O estado de impotência é assustador.