22/08/2023
Brasil

Você não vai mudar

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Nem te conheço e digo que você não vai mudar. Superemos minha falta de cortesia para que eu me explique melhor.

Todos nós carregamos algo de misterioso e inexplicável que nos torna únicos. Isso é o que permite sua família e amigos identificarem suas características singulares. Desde o início de sua vida, você carrega elementos indissociáveis, traços de personalidade e posturas que se fortalecem à medida que você cresce. Sua essência.

É disso que pretendo falar, e não das coisas do mundo, com as quais, de acordo com a sua essência, você acabará se relacionando. Por exemplo, é possível deixar de fumar, perder 100 kg, adquirir o hábito de tomar café, acabar um relacionamento de 10 anos, etc. e seguir sendo você mesmo. Também há possibilidades mais violentas do destino bater à sua porta, como a morte de pessoas próximas, guerras, traumas graves, perdas irreparáveis… É claro que eventos como esses terão um impacto na sua forma de lidar com o mundo. Mas mesmo momentos terríveis serão incapazes de privá-lo da sua essência.

Essas 'coisas' de que estou falando te definem e não irão mudar enquanto você viver. E, invariavelmente, acabarão se tornando obstáculos em algum momento de sua vida. Há estudos que indicam que introversão e extroversão são características inatas, por exemplo. Isso significa que alguém introvertido, queira ou não, será assim para sempre. Para insatisfeitos contumazes, esse tipo de tese é absurdo e de um determinismo digno de uma mente limitada. Como um introvertido consciente, eu devo discordar. Sempre fui introvertido. E não parece que há programação para que isso mude. Mas nem sempre estive em paz com minha introversão. Quem já foi adolescente pode imaginar o drama.

Anos de busca por atenção passaram à margem de minha incapacidade de lidar com o universo ao meu redor da forma 'ideal', ou seja, dançando, mantendo relacionamentos breves e sem um significado profundo, saindo à noite, falando alto para ser ouvido, com uma autoestima inabalável… Entretanto, sobrevivi sem muitas sequelas e hoje adquiri condições de entender quem sou com um tanto mais de sofisticação. Aprendi que não há jeito correto de viver e que cada um sobrevive como pode. O mundo é alheio a nossos desejos e limitações. Nós é que devemos realizar as adaptações necessárias, sejam direcionadas ao mundo (caminho bastante desafiante), sejam direcionadas a nós mesmos.

Houve momentos do meu processo de aprendizagem em que dúvidas surgiram: será que minha introversão limitaria meu crescimento individual? É possível que minha preocupação com o que os outros pensam de mim me torne uma pessoa pior?

A cada palestra ou apresentação que eu era obrigado a realizar em sala de aula na época do colégio, meu corpo ficava quente, eu suava, esquecia meus textos, era incapaz de olhar alguém nos olhos. Era uma cena tragicômica. Isso sem contar os momentos anteriores: a consciência de que haveria uma apresentação meses à frente já era o bastante para mexer comigo. Eu odiava o sentimento. E, claro, odiava ser desta forma, algo que considerava uma das minhas grandes fraquezas.

Mas, com o tempo, comecei a entender que eu não iria mudar. E, ao invés de lutar contra, optei por lutar junto. Minha introversão foi se tornando minha parceira e hoje não consigo me enxergar sem ela. É claro, tive que adaptá-la também. Ainda me sinto desconfortável ao falar em público, mas de uma forma muito mais leve, pois tornei relativo o meu sentimento. A paixão pelos temas de que falo e o compromisso que firmei com meus interlocutores tomam proporções maiores do que minhas preocupações individuais.

Assim como tiver que lidar com a introspecção, todos nós temos que lidar com as complexidades de nossas essências. De acordo com o que já vi por aí: há três caminhos básicos a serem tomados.

Posicionar-se de forma reativa e brigar com o mundo. Há uma bela música do Paulinho da Viola que trata da autoestima sob uma perspectiva bem intensa, fruto de uma personalidade forte. Ela parte da compreensão de que não mudamos e quem quiser que se adapte. Não é fácil viver assim. E, para quem optar por esse caminho, desejo sorte e serenidade.

Abraçar o mundo e brigar consigo mesmo. Talvez, essa seja a pior opção. Insistir em mudar a própria essência é não só inútil como extremamente frustrante. Adeptos desse posicionamento poderão tentar a vida toda em vão.

Entender-se e se adaptar no que for possível. Foi por essa que eu, consciente ou insconscientemente, optei.

Podemos considerar essa última uma soma refinada das duas anteriores. Equilíbrio é sempre um caminho recomendável.

Um dia o mundo vai se apresentar de forma diferente para você: uma promoção vai aparecer no trabalho (ou uma demissão), você saberá que vai ser pai/mãe dali a 9 meses, seus pais vão descansar, seu filho mais velho vai lhe desafiar… Nesse momento, sua capacidade de lidar com quem você é será testada e é possível que, para conseguir manter sua vida de pé, você terá que se adaptar.

Aceitar nossas limitações é um passo importante para crescer.

E, se não bastasse nossas próprias confusões internas, ainda temos que lidar com um monte de ideias que nos são apresentadas pelos mais diversos meios. Mas, com alguma reflexão e concentração, você chega lá, assim mesmo, desse jeito que você é.

*Rodrigo Borges é publicitário e adepto do 'Calma, Gente'.

Cristina Esteche

Jornalista

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