22/08/2023


Agronegócio Cotidiano Guarapuava

“Eles não veem a rotina, que é acordar às 5h e trabalhar o dia todo”

O Portal RSN conversou com agricultores sobre a rotina da vida no campo que apesar de parecer tranquila, no dia a dia não tem nada de fácil

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Na direita bezerros da propriedade de Fabricio e a esquerda estufa de morangos na propriedade de Luiz (Foto: Arquivo Pessoal)

“Eles deixaram a loucura da cidade para viver no campo”. É comum associar a rotina interiorana como calma e tranquila. No entanto, dentro da aparente ‘pacificidade’ o produtor rural de pequeno e médio porte tem uma rotina extenuante de trabalho duro, muitas vezes sem direito a férias ou décimo terceiro.

E se alguém fica doente, como é que faz? Não tem jeito, uma pessoa da família que tenha intimidade com a rotina terá que assumir as responsabilidades e ‘se virar nos 30’ até o outro ficar minimamente bem para voltar ao trabalho. No caso de propriedades que trabalham com vaca leiteira é assim. Já que os animais acostumam-se com a rotina e dificilmente aceitam estranhos entre eles.

O estresse do animal afeta o manejo de ordenha, portanto, desde uma simples mudança para um local diferente do habitual pode ser suficiente para desencadear reações. Conforme a engenheira agrônoma Maria Isabel Pelegrini isso acontece sobretudo com vacas mestiças, que são na pecuária leiteira, animais oriundos do cruzamento entre diferentes raças.

Elas são mais ariscas. Além de estranhar, mudam parte dos comportamento quando tem alguém estranho por perto, podem até dar menos leite.

ROTINA

Na casa da família Valente o dia começa cedo. O primeiro a sair da cama é o caçula de 21 anos, Fabricio. Ele inicia reunindo as vacas. Depois de acomodadas na sala de espera da estrebaria ele retira a silagem, que é alimento para os animais produzidos pela fermentação controlada de uma forragem e distribui nos cochos. Confira o vídeo em que Fabricio faz um breve relato.

Não é fácil essa luta. Rotineira, todo dia o mesmo serviço.

E o serviço não termina aí. Este é só início de uma longa jornada já que, após ordenhadas, as vacas voltam para os piquetes onde passam o dia se alimentando para a tarde voltarem à estrebaria e serem ordenhadas novamente. A cada ‘tirada’ de leite os equipamentos e local precisam ser higienizados, e para isso é necessária mão de obra.

Além disso, o monitoramento desses animais ocorre em tempo integral. É necessário ficar de olho para poder identificar possíveis doenças ou ferimentos. Os bezerros são apartados das mães assim que nascem, portanto alguém fica encarregado de amamenta-los e medica-los nos primeiros dias de vida e em seguida fazer a transição alimentar para sólidos, como a ração e silagem. Para tudo isso é necessário técnica e conhecimento que na maioria dos casos os produtores aprendem na prática com a rotina.

A gente ainda tem que dar conta das plantações que fazemos para o consumo dos bichos. Quando não ta plantando a gente ta colhendo. É um serviço sem fim.

“É TRABALHO O DIA TODO”

Na propriedade da família do Luiz Cezar no Distrito do Guará em Guarapuava a fonte de renda é outra. Eles trabalham com o cultivo de morangos semi-hidropônicos, criam alguns animais e plantam para consumo próprio.

Conforme Luiz, as atividades iniciam por volta das 5h da manhã. Eles começam tratando os animais e em seguida se concentram na colheita de morangos.

A gente tem vinte mil pés de morango em seis estufas. Então quando terminamos de tratar os bichos já vamos fazer a colheita. Junto com a colheita fazemos a irrigação, selecionamos e em seguida embalamos os morangos. A gente utiliza a manhã toda, terminamos a colheita, já está perto do horário de almoço.

Após a pausa para a refeição, o produtor conta que é feito a limpeza da chácara e da plantação de morangos. “Tem que estar sempre mexendo, tirando as folhas estragadas e secas, além de podar os pés de morango e tratar os bichos novamente”. Luiz contou ao Portal RSN que falta tempo para dar conta de tudo.

Como a produção na propriedade é grande, muitas vezes o trabalho continua a noite. E tudo isso, como explica Luiz, “de segunda a segunda”. Conheça a propriedade dos produtores de morango no Guará.

ROMANTIZAÇÃO DA ROTINA NO CAMPO

Para muitos visitar o campo representa um verdadeiro recarregar de energias. As paisagens, os animais e principalmente a calmaria que não há na cidade são atributos que só podem ser acessados no sítio. Mas como conta Luiz, para quem vive diariamente no interior, a realidade é outra.

As pessoas acreditam que é tranquilo a vida no campo porque elas vão passear. Vão ver aquele ‘gramadão’ bonito, os bichos, todos tranquilos. Tem os tanques de peixe pra pescar. A pessoa olha tudo aquilo e é lindo. Aquela calmaria do mato, diferente da correria da cidade. Mas essa é uma visão superficial. Eles não veem o dia a dia no campo, que é acordar às 5h da manhã, trabalhar o dia todo e dormir às 11h da noite.

Além disso o produtor de morangos ressalta que no campo a pessoa não tem horários definidos como quem trabalha na cidade. “Ah, eu começo às 8h da manhã, vou até às 11h. Volto do almoço às 13h e para às 18h. No campo não, a pessoa não tem horário. Não tem domingo de folga, não tem nada. É todo dia”.

Então veem só essa parte boa do campo. Por isso que o pessoal acha que morar em chácara, no campo, é bom. Seria bom pra quem tem colaborador, funcionários que fazem todos os serviços.

Mas no caso de pequenos e médios produtores rurais, quem tem que dar conta dos afazeres são os próprios donos. A cada plantação, um sonho, já que no sítio o produtor não depende só de boa vontade, como também de muita sorte pois depende do clima.

Dessa forma, diariamente, do raiar ao pôr do sol os moradores do campo desempenham atividades que apesar de não serem controladas por horários fixos em um ponto eletrônico, são feitas com rigoroso comprometimento, pois se eles não fizerem, não tem quem faça.

Contudo, ao serem questionados pelo Portal RSN se os produtores rurais Fabricio e Luiz trocariam a vida no campo pela rotina na cidade, a resposta dos dois é uma só: “Não”. Luiz explica que se por um lado o trabalho no sítio é fisicamente mais cansativo, mentalmente o trabalho na cidade é mais estressante.

Eu não trocaria. Por mais trabalhoso que seja, o campo é uma coisa que eu gosto. Quando se faz o que gosta, você faz com satisfação.

Já Fabricio afirma que mesmo sendo cansativa a rotina, é assim que ele se sente satisfeito. “Eu gosto da lida, não gosto de ficar parado. É o que eu sei fazer”. 

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Antunes

Jornalista

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